No dia 7 de novembro de 1825, o Recife, uma cidade na época habitada por pouco mais de 26 mil almas nas suas quatro principais freguesias, via circular um novo jornal, o 24º a surgir desde o início oficial da imprensa em Pernambuco, história que teve início com o “Aurora Pernambucana”, pioneiro com vida curta, apenas 30 números entre março e setembro de 1821. O Diario de Pernambuco, nome da folha de quatro páginas, chegou às ruas custando 40 réis, ou dois vinténs, como se dizia na época. Trazia o nome do santo do dia, São Florêncio, e estampava 38 anúncios. Impresso em oficina própria, da firma Tipografia Miranda & Cia, instalada na rua do Cutuvelo, em Chora-Menino, o primeiro Diario saiu com a dimensão de 24 x 19 centímetros, 329 linhas de composição a mão e 1.443 palavras.

Na apresentação editorial do primeiro exemplar, o proprietário, Antonino José de Miranda Falcão, alerta que a proposta do seu jornal é mesmo diferente: “Faltando nesta cidade assaz populosa um diário de anúncios, por meio do qual se facilitassem as transações, e se comunicassem ao público notícias, que a cada um em particular podem interessar, o administrador da Tipografia de Miranda e Companhia se propôs a publicar todos os dias da semana exceto aos domingos somente o presente diário, no qual debaixo dos títulos de – Compras – Vendas – Leilões – Aluguéis – Arrendamentos – Aforamentos – Roubos – Perdas – Achados – Fugidas e Apreensões de Escravos – Viagens – Afretamentos – Amas-de-leite etc, tudo quanto disse respeito a tais artigos; para o que tem convidado a todas as pessoas, que houvessem de fazer estes ou outros quaisquer anúncios, os levarem à mesma Tipografia que lhes serão impressos grátis, devendo ir assinados”.

Aos 27 anos de idade e ex-professor da oficina do Trem Nacional, antigo Arsenal de Guerra do Recife, Antonino José de Miranda Falcão já era experiente na arte de imprimir jornais. Como tipógrafo, teria participado da equipe do Typhis Pernambucano, capitaneado pelo frei do Amor Divino Caneca e veículo de divulgação das ideias que resultaram na Confederação do Equador, revolta que agitou o Estado com lutas armadas entre julho e setembro de 1824. Miranda Falcão resolveu lançar o Diario de Pernambuco depois de ter sido demitido do cargo do Trem Nacional e passado quase um ano encarcerado pela sua participação no movimento derrotado pelas forças enviadas por Dom Pedro I.

Lançar um jornal de anúncios era a alternativa mais segura numa cidade onde ainda se falava do arcabuzamento de frei Caneca, no dia 13 de janeiro de 1825, e do enforcamento dos outros mártires da Confederação do Equador. O nome de Miranda Falcão estava na lista monitorada pelo brigadeiro Lima e Silva, o homem que lhe demitiu do cargo no Trem Nacional. A assinatura do fundador do Diario constava no manifesto histórico de Manuel de Carvalho Paes de Andrade, o presidente que se rebelara, com a maioria da gente pernambucana, contra Dom Pedro I, que indicara Francisco de Paes Barreto, o Morgado do Cabo, para substitui-lo.

Com a experiência de contestação dos levantes de 1817 e 1821, os pernambucanos não se conformaram com a indicação. Enviados à Corte manifestaram essa posição diretamente a Dom Pedro I. Mesmo se considerando atingido com aquela contestação, o regente recuou. Indicou um tercius – um terceiro nome – mas o clima na província era de absoluta rebeldia. E a luta foi deflagrada.

Com o jornal de anúncios, Miranda Falcão voltava à ativa. No dia 7 de novembro de 1825, o primeiro gazeteiro do Diario, um ajudante de oficina, muito provavelmente um escravo, iniciou a distribuição dos primeiros exemplares do jornal que se tornaria o mais antigo em circulação na América Latina. Com endereços anotados, começou a entregar o folheto nos bairros do Recife, Santo Antônio, São José e Boa Vista. A princípio, os destinatários do Diario seriam pessoas ligadas ao comércio, gente que teria interesse em anunciar no novo veículo para ampliar a clientela.

O fundador do Diario de Pernambuco, Antonino José de Miranda Falcão, não foi pioneiro apenas em publicar a primeira folha diária do Recife e o primeiro jornal impresso com fim específico de servir ao comércio. Em 1826, apenas no seu segundo ano de existência, o Diario tornava-se o primeiro veículo do Nordeste a focalizar as vantagens da liberdade da imprensa. Por essa iniciativa, Miranda Falcão seria processado no ano seguinte.

No dia 25 de agosto, o Diario transcreveu, em três das quatro páginas da edição, um comunicado do ouvidor de Olinda, Luiz Ângelo Victorio do Nascimento Crespo, rebatendo acusações publicadas anteriormente a pedido de “Um Constante Leitor” do jornal Gazeta Parahibana, a respeito de uma decisão do magistrado sobre apropriação de escravos.

A polêmica surgiu depois que algum interessado em divulgar, no Recife, as ofensas publicadas na gazeta paraibana, procurou Miranda Falcão para transcrever o texto no Diario. O ouvidor utilizou as próprias colunas do jornal para rebater as acusações, prometendo usar os meios legais para processar o agressor. Em agosto de 1827, no entanto, o réu citado não foi o “Um Constante Leitor”, o autor original das denúncias, ou alguém responsável pela Gazeta Parahibana. O indicado para o banco dos réus foi Miranda Falcão, o reimpressor das ofensas.

Argumentando que seu jornal cumprira o que lhe era destinado como órgão de imprensa informativa e a serviço do aperfeiçoamento da vida pública e social, Miranda Falcão acabou sendo absolvido.

Antes de completar 35 anos de idade, Antonino José de Miranda Falcão esteve mais uma vez envolvido em agitações revolucionárias. Em 1829, o fundador do Diario foi acusado de participar de revoltas chamadas, na época, de “sediciosas e republicanas” e pelas quais foi condenado a passar 14 meses de cadeia na Fortaleza do Brum. Os representantes do governo provincial creditavam a Miranda Falcão e a dois confederados de 1824, José Tavares Gomes da Fonseca e Rodolfo João Barata, o envolvimento de cidadãos pacíficos em movimentos de contestação às autoridades.

No dia 2 de fevereiro de 1829, apareceu em uma das cabeças da ponte da Boa Vista um pasquim com palavras contra o presidente da Província e portugueses que o apoiavam. No libelo acusatório, Miranda Falcão teria colaborado para a distribuição dos papéis onde sonetos em tom agressivo incitavam a população. Na noite do mesmo dia, um grupo de 20 pessoas saiu da Povoação de Afogados com o intuito de formar, na vila de Santo Antão, um governo republicano. Pelo registro do julgamento dos acusados, “aliciando mais gente pelas estradas aparecera na vila de Santo Antão já em número de 40 a 50 levantados, armados de todas as armas, a pé e a cavalo”. O grupo assaltou quartéis em busca de mais armas e libertou os presos da cadeia pública.

O presidente da Província, Tomás Xavier Garcia de Almeida, envia um comunicado ao Ministro José Clemente Pereira, onde afirma que tomou providências para proteger a capital, podendo-se considerar a ação dos revoltosos como “o único arranco da última cabeça da hidra revolucionária de Pernambuco”. Foram necessários 280 soldados para prender os revoltosos.

No dia 8 de agosto de 1829, o Diario de Miranda Falcão publica, na capa, um relato feito pelo próprio dono do jornal da sua absolvição em um processo relativo à inserção de um pasquim na edição de 16 de agosto do anterior.

“Recitei minha defeza, que por fortuna prehenxeu a expectativa do auditório, e satisfez os Juizes: o Illustrissimo Sr. Juiz de Direito com o seu reconhecido talento, perfeito Magistrado, relatou o processo; findo o que retiraraõ-se os Srs. Jurados para a julgaçaõ. Esta concluída, ao recitar-se publicamente a absolviçaõ, os circunstantes, que enchiaõ a salla, prorromperam em vivas à Constituição, a S.M. Imperador Constitucional, à Augusta Assemblea Legislativa, a Liberdade de Imprensa, aos bons Juizes de Facto e aos Acadêmicos do Curso Jurídico. Estes jovens, que tanta parte tomaraõ neste acto Constitucional, se fizeraõ neste dia conhecer nesta Cidade pelo seu enthusiasmo patriotico e espirito lliberal. Quaze todos se achavam prezentes e mostraraõ quanto saõ dignos da estima Publica,e da cordialidade dos Constitucionaes. Foi um dia notavel para os fastos da Liberdade de Imprensa em Pernambuco”, descreve Miranda Falcão.

O elogio aos acadêmicos do Curso de Ciências Jurídicas de Olinda mostra a importância do surgimento da instituição de ensino no anterior, acolhendo alunos de todas as províncias do Nordeste e de outras regiões. Na edição do dia 7 de março, o Diario publicou um comunicado onde revelava a existência de 55 estudantes de 1º ano e 38 de 2º ano. Os bacharéis, com o tempo, tornaram-se grandes colaboradores do jornal, com a publicação de material que elevava a discussão de grandes temas regionais, além dos textos voltados ao meio artístico.

No ano em que completou a primeira década de existência, o Diario de Pernambuco enfrentou uma série de mudanças. O seu fundador, Antonino José de Miranda Falcão, repassou o empreendimento para Manoel Figueroa de Faria, que já imprimia, na sua oficina tipográfica na Casa da Porta Larga, nas proximidades da Matriz de Santo Antonio, as quatro páginas do jornal que circulava no período de segunda-feira a sábado. A transição garantiu a sobrevivência da publicação, já que Miranda Falcão enfrentava dificuldades financeiras e, nos últimos anos, tinha que recorrer a diferentes tipografias para manter a periodicidade.

Depois de sair do Diario de Pernambuco, Miranda Falcão manteve-se na ativa. Foi secretário da província de Sergipe; administrador da Gazeta Oficial (RJ); diretor da Casa de Correção da Corte do Império (1849); cônsul-geral do Império nos Estados Unidos (1852); oficial de gabinete do governo da província do Rio Grande do Sul (1865) e redator do Diário Oficial, no Rio de Janeiro, cidade onde veio a falecer em 1878, aos 80 anos de idade.

 

* Foto retirada do livro Diario de Pernambuco – História e Jornal de Quinze Décadas escrito pelo jornalista Arnoldo Jambo, publicado em 1975 para comemorar os 150 anos do jornal