Reproduzimos aqui a entrevista feita pelo jornalista  Júlio Cavani com Daniela Osvald Ramos,  pesquisadora gaúcha, doutora e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Faculdade Casper Líbero. O texto foi publicado  nesta segunda-feira no Diario de Pernambuco e  ajuda a alimentar o debate sobre o futuro do jornalismo:

A comunicação na era digital

Redes sociais, jornalismo digital, design da informação, mediação virtual e convergência midiática estão entre os temas dos estudos desenvolvidos por Daniela Osvald Ramos. A pesquisadora gaúcha, doutora e mestre pela Universidade de São Paulo (USP), professora da Faculdade Casper Líbero, esteve no Recife na última semana para realizar duas conferências com os jornalistas do Diario de Pernambuco. Em tempos de tablets, Facebook, Twitter e smartphones, o impacto das novas tecnologias sobre a natureza da notícia exige reflexões sobre a reformulação do papel da imprensa para a sociedade. Após duas palestras no auditório dos Diários Associados, Daniela concedeu entrevista ao Diario e respondeu a perguntas elaboradas pelos repórteres do jornal. “Hoje o público é produtor de informação e pauteiro. Então o que cabe ao jornalista?”, questiona. “É preciso reformular o papel do jornalismo, que, ao meu ver, continua cada vez mais necessário, mas talvez não nos moldes antigos”. Ela também explica que a onipresença da internet na vida das pessoas precisa ser avaliada de forma crítica, pois as relações humanas têm sido cada vez mais intermediadas pelas máquinas.

“Relações mediadas por máquinas não têm volta”

Pessoas que experimentaram a vida antes da internet e acompanharam a chegada da cultura digital possuem um ponto de vista privilegiado em relação aos jovens que já cresceram conectados? Ou é o contrário?

Não sei se podemos falar de privilégios, mas com certeza poder contar com relacionamentos mais próximos do humano e menos mediados por máquinas, como era hábito da geração pré-internet, será cada vez mais um privilégio.

Você acha que as redes sociais são uma tendência definitiva e sem retorno ou isso tudo pode ser uma espécie de febre passageira ou modismo?

Acho que as relações mediadas por máquinas (dispositivos digitais variados) são uma tendência sem volta. O que é modismo são os formatos, que vão mudar muito ainda, com certeza. As “redes sociais” são objeto de estudo na sociologia há muito tempo, ou seja, vão sempre existir, é condição humana, assim como a narrativa.

Você é a favor da liberdade plena na internet ou mecanismos de regulação, censura e proibição devem sempre existir? Esse controle deve nascer dentro das redes ou pode ser desempenhado por instituições como o Estado ou governos?

Como tudo que é feito pelo humano, sempre existirão brechas. Tem-se tentado regular a internet mas a “deep web”, que é o underground da web, ninguém consegue regular. É lá que rola pedofilia, tráfico de drogas, contratação de assassinos, enfim, de tudo. Para se entrar usa-se um software que mascara o IP da máquina, que é o número que a identifica na rede e através do qual se rastreia os criminosos. Ou seja, sou da opinião de que as regras e a censura valerão para intimidar e cercear a liberdade de informação do cidadão comum, que quer trocar ou disseminar conhecimento. Quem tem má-fé para praticar crimes na internet vai praticar, não importam os mecanismos de censura.

Como as pesquisas, a academia e a produção de pensamento deve se comportar diante da velocidade das novas mudanças, já que novos aparelhos (como os tablets) podem se tornar obsoletos rapidamente?

A academia deve manter-se vigilante e tentando identificar o essencial nas mudanças que a tecnologia vem causando na sociedade, para além do uso técnico. O jornalismo não está conseguindo fazer isso pois está dentro da lógica de mercado e há pouca crítica à tecnologia no jornalismo praticado nas empresas de comunicação. Há mais uma “venda” de produtos e das novidades que “facilitam” a nossa vida. Será mesmo que facilitam? Tenho dúvidas.

Nas atuais eleições, as redes sociais têm obtido uma crescente importância. Formas ou sistemas de governo e mecanismos democráticos (como o voto) podem ser reformulados neste novo cenário social ou o fenômeno digital da internet não chega a ser tão revolucionário?

Já se elaborou constituição com consulta pública pelo Facebook na Finlândia… Mas trata-se de um país muito pequeno. Discute-se muito se é possível falar de “esfera pública” na e através da internet – sem dúvida são novos espaços possíveis de discussão, mas restritos, pois é preciso ter acesso e ter computador. Ou seja, há muita gente excluída, o que não configura um acesso livre. Então, é revolucionário, em certo sentido, como no uso que se fez na Primavera Árabe, e excludente em outro sentido. É importante entender que as redes sociais na política não são uma andorinha só e sozinha não faz verão; o que acontece é que as redes são um novo componente no ecossistema de mídias, aí, sim, podendo fazer diferença em um processo, mas não de forma isolada.

Ao contrário do que ocorre com jornais impressos, revistas e livros, os sites não podem ser armazenados em arquivos físicos como documentos. A sociedade, portanto, corre o risco de perder sua própria história? Os novos formatos virtuais e digitais de biblioteca são tão confiáveis quanto os antigos?

Sim, a sociedade corre o risco de perder a sua memória e mesmo as famílias também a perdem porque facilmente um formato de armazenamento (disquete, CD-Rom, pen drive….) é substituído por outros. O que está em jogo aqui são valores humanos e não dispositivos técnicos. O que nos caracteriza como humanos? Se for nossa memória cultural, como em Blade Runner, precisamos zelar por ela.

Fala-se bastante em crise no jornalismo impresso, mas essa crise não seria ainda maior e atingiria o próprio papel do jornalista na sociedade? Os sistemas colaborativos podem crescer a ponto de tornar desnecessário ou inútil o jornalismo como o entendemos hoje?

Sim, há uma crise no papel do jornalismo assim como há uma crise em todos os intermediários hoje: indústria fonográfica, por exemplo. É preciso reformular esse papel que, ao meu ver, é cada vez mais necessário, mas talvez não nos moldes antigos, do jornalista como produtor de informação e pauteiro. Hoje o público é produtor de informação e pauteiro. Então o que cabe ao jornalista? É preciso reformular, mesmo.

Ainda há como escapar da internet? Quem não adere às redes sociais deve ser visto como um alienado? Não fazer parte da rede se tornou um comportamento de desobediência civil?

Se você não faz parte da internet (digo, não tem acesso a ela) você é um excluído digital. Mas se escolhe não fazer parte dela, pode fazer um uso crítico, e isso é muito diferente. Considero um uso crítico escolher não fazer parte de nenhuma rede social. Isso deve ser respeitado como um direito e não encarado como um “dever”. Senão, o que nos resta escolher?