Em Foco 2007

No texto do Em Foco do Diario de domingo, escrito na noite de sexta-feira, Luce Pereira citava o escritor Rubem Alves. No sábado, o mineiro autor de 120 títulos sobre pedagogia, teologia e psicanálise, além de obras infantis, faleceu aos 80 anos. Mais um motivo para ler o que Luce escreveu sobre como não precisar ter medo de se aposentar. Porque viver é nunca parar.

Aposentadoria: céu ou inferno?

O problema está na forma como o brasileiro se prepara para esta fase. Apesar do otimismo, não toma as providências necessárias

Luce Pereira

Na crônica A aposentadoria do diabo, escrita por Rubem Alves, em 1997, o “coisa ruim” está com medo de ter que pendurar as chuteiras, “porque agora os homens fazem, não por maldade, mas por burrice, aquilo que antes eu só conseguia após submetê-los a muitas tentações”. Ou seja, se não há intenção de pecar não há crime e, como consequência, o capeta sente que se tornará obsoleto, não restando outra alternativa a não ser abandonar o batente. No fim, angustiado, resume o que isso representa: “A vida de aposentado não tem a alegria de quem estava na ativa. Já imaginou? Quando me perguntarem a profissão, eu terei de responder: ‘Diabo aposentado’”.
Mas, na vida real, este tempo seria tão ruim assim? De acordo com Ricardo Neves, autor de Aposentadoria é para os fracos, não – porque os nascidos a partir de 1960 ganharam 20 anos na expectativa de vida e espantaram o estereótipo do envelhecimento. Antes, era considerado idoso quem ultrapassava a linha dos 60; agora, só a partir dos 80.
E a vida está cheia de conhecidos exemplos de pessoas extremamente ativas, depois de declaradas idosas pela lei, que enxergam aposentadoria com outros olhos, ânimo e objetivos. O problema está na forma como o brasileiro se prepara para esta fase da vida. Apesar do otimismo como geralmente encara os desafios e se diz confiante, não toma as providências necessárias para chegar lá com segurança e tranquilidade. Um nordestino que perde o amigo mas não a piada, traduziria este “pouco caso” com uma máxima regional: “‘Quem’ morre de véspera é peru”.
Que plano B que nada; na hora aparece um jeito. Quase assim. Segundo estudo da Mongeral Aegon, bem diferentes de trabalhadores de países europeus (Alemanha e França…) e orientais (Japão e China…), que não têm bola de cristal, mas fazem uma leitura mais rigorosa da realidade. Por acreditar que o sistema não vai conseguir dar conta do incremento do número de aposentados, nos próximos anos, procuram de fato se preparar. Ou seja, apesar de o brasileiro, segundo a pesquisa, ocupar o terceiro lugar em otimismo diante da chegada da grande transição na vida profissional, não se cerca dos cuidados necessários como faz o chinês, por exemplo, que ocupa a primeira posição neste quesito.
Interessante, no levantamento, é que, apesar da falta de preparo, os brasileiros jogam para cima aqueles tabus que associam aposentadoria a depressão, sentimento de decréscimo em termos pessoais e de qualidade de vida. Pelo contrário. Comemoram, enxergando na mudança lazer (47%), liberdade (43%), prazer (30%) e até oportunidade (26%). O velho fantasma chamado solidão só está em 7% das opiniões, e aquele outro, tão temido quanto – a pobreza – , em 8%. Menos mal.
São estas pessoas cheias de esperança que levam especialistas a acreditar na completa mudança de perfil dos novos aposentados. “Aposentar pode ser continuidade, renovação, aprendizado, recolocação, porque uma pessoa com bagagem terá sempre habilidades e perspectivas”, afirma em artigo Elisângela Vilella G.Sé, especialista em segurança do trabalho.
No entanto, seja para o aposentado de ontem ou o de hoje, o bom senso disse e sempre vai dizer a mesma coisa: é errado acreditar que neste momento da vida otimismo e prudência não se bicam. Muito pelo contrário – são par perfeito.