Em Foco 2507

Jornalista hoje, se não tomar cuidado, incorpora o Coelho Branco de Alice no país das maravilhas, olhando para o relógio e repetindo o mantra: “Ai, ai! Ai, ai! .. Vou chegar atrasado demais!”. No caso da cobertura da internação de Ariano Suassuna, as informações de que o escritor estava com morte cerebral começaram a chegar na terça-feira. Comunicar isso aos internautas em primeira mão renderia um pico de audiência, mas a decisão foi de que a redação do Diario esperaria o fim do procedimento médico e o comunicado oficial. É o tema do Em Foco do Diario desta sexta-feira, escrito por Paulo Goethe.

A pressa e a perfeição

Ariano Suassuna se foi com as devidas e merecidas honrarias. Sua última lição foi para nós, jornalistas. Por que essa urgência em dar as notícias?

Paulo Goethe

Vivemos a era do jornalismo em tempo real. Ou seria melhor dizer surreal, levando em conta o episódio das “mortes antecipadas” de Ariano Suassuna por profissionais da informação que precederam o comunicado oficial até com um dia de antecedência? Nas redes sociais, críticos chegaram a decretar que essa pressa toda em ser o primeiro a anunciar o passamento do mestre teria matado era o jornalismo. Ariano se foi com as devidas e merecidas homenagens. Sua última lição foi deixada para quem vive da notícia. Para que essa pressa toda?
Jornalista hoje, se não tomar cuidado, incorpora o Coelho Branco de Alice do país das maravilhas, olhando para o relógio e repetindo o mantra: “Ai, ai! Ai, ai! .. Vou chegar atrasado demais!”. No caso da cobertura da internação de Ariano Suassuna, as informações de que o escritor estava com morte cerebral começaram a chegar na terça-feira. Comunicar isso aos internautas em primeira mão renderia um pico de audiência, mas a decisão foi de que a redação do Diario esperaria o fim do procedimento médico e o comunicado oficial.
Não chegou a haver choro e ranger de dentes, mas a recusa do furo da morte de Ariano dividiu as gerações da tela e do papel. Houve quem defendesse a divulgação antes dos médicos e da família como uma forma de prestação de serviço ao internauta/leitor, uma vez de que as fontes eram seguríssimas.  Uma discussão que se estendeu até o final da tarde de quarta-feira, quando então se tornou público que a Caetana havia feito o indesejável.
Em 2012, ao jornal Folha de S. Paulo, o próprio Ariano Suassuna já havia dito que não era fã da internet. “A velocidade da comunicação não é coisa boa”, ressaltando que não se alcançaria a grandeza de um Cervantes no computador. Na sua doce radicalidade, o escritor acabou expondo o temor de quem gosta de excelência. A internet vai sempre noticiar antes, mas é preciso saber que se trata de um veículo sujeito a chuvas e trovoadas. Ontem, no próprio site do Diario, uma chamada sobre a presença da presidente Dilma no velório foi ilustrada com uma foto de arquivo, com Ariano vivaz como de costume. Virou motivo de troça até para quem sabe como a máquina funciona por dentro.
A pressa é inimiga da perfeição. O doutor em comunicação Eugenio Bucci consegue definir, em poucas palavras, o que seria jornalismo nos dias atuais: “Pense no ciclo do jornalismo diário: a cada 24 horas as coisas são atualizadas. Hoje convivemos com modelos de fechamento a cada segundo. A visão de que o jornalista oferece ao público um relato em permanente confecção é muito mais gritante. O jornalismo é um relato inacabado. Sempre foi, mas hoje é mais abertamente”.
Antes que atirem pedras até em Gutemberg, o único responsável por tornar a sociedade ocidental viciada em notícias,  saco da algibeira o filósofo Georg W. F. Hegel (1770-1831). O alemão já havia observado que os jornais se tornaram para o homem moderno – isso em pleno século 18 – um substituto das orações matinais: “A cerimônia de ler jornal é incessantemente repetida a intervalos diários, ou duas vezes ao dia, ao longo de todo o calendário. Podemos conceber uma figura mais clara da comunidade imaginada secular, historicamente regulada pelo relógio?”. O relógio pode até ter se digitalizado, mas é na redação de um jornal que ele ainda melhor funciona, mesmo falhando às vezes. E com licença que um coelho passou por aqui.