Em Foco 2607

Uma cidade onde até o cemitério não é considerado terra improdutiva. Moreno, situado a 25 quilômetros do Recife, vive uma onda de invasões urbanas conduzidas pelo MST. Contradição que é explicada pelo surto de desenvolvimento urbano do município cujo território era praticamente de propriedade de um cotonifício fundado por belgas no início do século 20. Um problema que se agrava pela falta de bancos de dados sobre o real déficit habitacional existente. Moreno é o Brasil. E o texto do Em Foco do sábado é de Luce Pereira.

Uma disputa sem trégua

Briga pela posse da terra, em Moreno, fez “inimigos” de outrora, o Cotonifício e a prefeitura, se unirem contra um problema comum – o MST

Luce Pereira

Enquanto o distrito industrial de Moreno floresce, os problemas se avolumam no segmento que é o seu verdadeiro calcanhar de Aquiles: a questão da terra. Mas nem sempre prefeitura e o Cotonifício do município estiveram em lados opostos enfrentando brigas judiciais pela posse do território urbano, grande parte de propriedade da fábrica. Em tempos recentes, saíram do antagonismo, viraram “inimigos” de outrora, para enfrentar um problema comum – o MST.
Pelas contas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, são três mil famílias a ocupar 14 terrenos do Cotonifício Moreno e ainda um de propriedade do poder público, que se arma com o argumento de que os novos inquilinos, para se instalar, destruíram área de preservação permanente, o que se configura como crime ambiental, cuja responsabilidade ainda não foi formalmente cobrada pelo Ministério Público de Pernambuco.
Tão próximo está do centro urbano o acampamento dos trabalhadores, que o município teve “engessado” projeto de ampliação do cemitério. Mas, sob nenhum argumento a direção do MST recua no propósito de continuar ocupando os terrenos, recado transmitido, ontem, com uma passeata cujo endereço era a sede do governo municipal e o Fórum, porque, em maio, o Tribunal de Justiça de Pernambuco deu aos donos o direito de retomar a posse de seis dos terrenos ocupados. O movimento vai resistir, se houver tentativa de cumprimento, segunda-feira, do mandado de reintegração, embora tenha discutido o prazo com órgãos do governo, em recente reunião.
O impasse em Moreno desperta para uma dificuldade comum a prefeituras do interior e RMR. Não possuem bancos de dados com indicadores do município, o que fica claro na falta de resposta de secretários a perguntas simples como o tamanho do déficit de moradias. Neste caso, em que Moreno se inclui, dados são imprescindíveis para que prefeituras possam construir sua política habitacional, algo possível somente a partir de cadastramentos, levantamentos e planejamento. Sem este tipo de controle, não resta dúvida de que quando respondem à imprensa sobre providências e apontam supostas saídas, secretários e gestores estão apenas querendo se ver livres de quem indaga.
Também está claro que questões como moradia popular, alvo da ocupação dos trabalhadores, são enfrentadas à base de improviso e ao sabor das circunstâncias, o que prolonga impasses, acentua conflitos e retarda as chances de desenvolvimento do município. Em se tratando de Moreno tanto pior, pois a tese de que o cofre é magro e as necessidades, gigantes, encontra defensores até no Ministério Público. Ou seja, a prefeitura não teria recursos para comprar os terrenos ocupados.
Diante da suposta magreza de recursos e da falta de planejamento para oferecer alternativa que alivie o déficit habitacional, não se esperava nada mais do diretor de comunicação da Prefeitura de Moreno, Leonardo Rodrigo Araújo, (um dos donos do Cotonifício), do que respostas evasivas. Sem dar detalhes ou prazos, limitou-se a dizer que media, junto a proprietários de terrenos, negociações para contratos com o programa Minha Casa Minha Vida, quando então seria possível a construção de casas populares.
É. Uma vez diante de um repórter, salva-se da saia justa quem, no poder público, consegue cravar uma desculpa em forma de promessa, mesmo dando a impressão de que não acredita em uma só palavra do que está dizendo. E com práticas assim se perpetua um modelo que sempre empurra para a frente a possibilidade de frutos há muito colhidos por quem leva muito a sério a gestão pública.