Em Foco 3007

Andamos por ruas, avenidas, travessas e subidas e não percebemos seus sinais. O estudo Nomes que fazem uma cidade mostra que os logradouros do Recife são dominados pelos homens. Avenidas com nome de mulher são apenas sete, todas localizadas na periferia.  Uma discussão de gênero levantada por Vandeck Santiago, autor do Em Foco do Diario desta quarta-feira.

As ruas são dos homens

O Recife possui 11.761 logradouros e só 4,8% têm nomes de mulher. Nenhuma batiza uma grande avenida e a maioria é homenageada com ruas estreitas e travessas, na periferia

Vandeck Santiago

Dou 10 segundos para vocês responderem: citem o nome de pelo menos uma avenida do Recife que tenha nome de mulher. Pouco tempo para pensar? Então tomem um minuto inteiro. Mais?… Não estou subestimando o conhecimento dos meus leitores, mas desconfio que, sem ir ao Google, a gente poderia passar uma manhã inteira aqui tentando achar a resposta.
O Recife tem 94 bairros. Considerando-se que cada bairro tem pelo menos uma avenida, é de se supor que existem muitas com nomes de mulher. Mas não há não. São apenas sete. Todas localizadas na periferia: cinco no Jordão, uma em Nova Descoberta e a outra em Areias.
Se o problema se restringisse a avenidas, poderíamos dizer: “Ah, é que o Recife prefere batizá-las com nomes de homens”. A questão, porém, vai além. Melhor dizendo, até piora quando a análise é feita com todos os logradouros (ruas, becos, parques, praças, travessas, vilas, avenidas, subidas…).
São 11.761 logradouros no Recife, e só 561 têm nomes de mulher. Ou seja, 4,8% do total. Sem falar que nesses casos muitas vezes a mulher foi homenageada dada a condição de ter algum parentesco ou relação com homens (líderes, personalidades políticas etc.). Na maioria dos casos, batizam logradouros da periferia.
Em Nova Descoberta, por exemplo, há cinco “subidas”: Subida Josélia, Subida Dona Catarina, Subida Dona Cotinha, Subida Dona Iracy, Subida Tereza Carneiro. Há 81 “Travessas”. Quatro “Refúgios”. Vejam que proporção interessante: se você contabilizar só as ruas, as mulheres dão nome a 5,4% delas – porém quando se trata de travessas e subidas, a proporção é de 10%…
Nada contra a homenagem ser prestada no subúrbio, ou com “subidas e travessas”; a relação aqui estabelecida é apenas como ponto de comparação. Os logradouros principais (pontes, viadutos, grandes avenidas) vão para os homens, enquanto os outros (becos, travessas, pequenas ruas) vão para as mulheres. Duvido que vocês encontrem por aí uma “Travessa Agamenon Magalhães” ou “Subida Conde da Boa Vista”…
Todo este levantamento faz parte do ótimo Nomes que fazem uma cidade, estudo fruto de um convênio entre a Prefeitura do Recife (Secretaria de Direitos Humanos, gestão de Amparo Araújo) e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (do governo federal), em 2012.
Se o problema se restringisse a logradouros, já seria em si merecedor de atenção. Afinal, dos mais de 1,5 milhão de habitantes do Recife, cerca de 55% são mulheres. E muitas são as contribuições dadas por elas à nossa história e ao nosso povo, merecedoras de reconhecimento público.
O pior, no entanto, é que o problema vai além. Quatro estados brasileiros nunca elegeram uma governadora, uma senadora ou uma prefeita de capital – Amapá, Paraíba, Piauí e… nós.
Amplie o foco para o país inteiro e vamos continuar encontrando distorções. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou ontem o novo eleitorado do Brasil: são quase 143 milhões, dos quais 52,13% são mulheres (em Pernambuco, eleitorado feminino é de 53,4%). Aí você olha para o Congresso, reúne os eleitos de todos os estados e se surpreende com o tamanho da bancada feminina: cerca de 10%. De cada 10 eleitos, só um é mulher.
Entre os nomes de ruas do Recife e a representação feminina no Congresso há muito mais do que supõe o nosso olhar habituado a não enxergar as desigualdades.