Em Foco 1408

A edição desta quinta-feira do Diario de Pernambuco trouxe um material que ninguém esperava e queria publicar. As mortes do ex-governador Eduardo Campos, do jornalista Carlos Percol e dos fotógrafos Alexandre Severo e Marcelo Lyra, além do assessor
Pedro Valadares Neto e dos pilotos Geraldo da Cunha e Marcos Martins foram sentidas de diferentes formas na redação. Além de um caderno especial, o desaparecimento de Eduardo Campos, candidato a presente pelo PSB, foi o tema do Em Foco, escrito por Luce Pereira.

Um dia de silêncio

O herdeiro político de Miguel Arraes se foi sem realizar seu maior sonho, mas como poucos teve o privilégio de ver amplamente aprovadas suas ideias e ações

Luce Pereira

É a certeza da finitude, na prática, que abala e emudece. Parecia que mais um 13 de agosto iria passar com os factuais pontuando as horas, a agenda nos levando de um lado para outro, a determinar o ritmo de uma rotina natural e sem sobressaltos. Mas, não. Antes que a manhã findasse e as conversas em torno dos assuntos mais triviais dominassem as mesas de almoço, uma notícia meio capenga começou a ganhar corpo.
A princípio, um helicóptero havia caído em Santos. Logo em seguida, o helicóptero fôra substituído por uma aeronave executiva. E pouco depois, imagens de uma densa nuvem de fumaça escura em um bairro de Santos, o Boqueirão, chegavam às redações. Bombeiros, gente correndo, um deus-nos-acuda precediam a notícia: o ex-governador de Pernambuco e candidato a presidente da República, Eduardo Campos, estava morto.
“Você tem certeza?” foi a frase mais dita e ouvida durante toda a manhã, enquanto a tragédia ganhava o país e o mundo em manchetes graúdas. Menos pelo inusitado do acontecimento e muito mais pela dimensão que a figura política do ex-governador vinha assumindo nos últimos tempos. Até lá fora, seu trabalho já havia conquistado reconhecimento. Em 27 de junho de 2013, o governo de Pernambuco recebia, pela segunda vez, prêmio da ONU, em Nova York, pela gestão do Pacto pela Vida, a maior aposta de Campos para a área de Segurança.
O fato é que aquele candidato que na noite anterior respondia com certa tranquilidade e desenvoltura às perguntas de jornalistas da maior emissora de TV do país não existia mais. O amigo que abandonou a agenda política para vir dizer adeus ao mestre Ariano Suassuna, no dia 24 passado, com a voz cortada pela emoção da despedida, tinha saído de cena. Foi-se depois de deixar no ar uma frase emblemática, na entrevista da noite anterior: “Não podemos desistir do Brasil”.
À confirmação da notícia seguiu-se um silêncio cheio de espanto. Porque, independentemente das conquistas de Eduardo no campo político – e elas foram muitas – era um jovem cheio de planos para o futuro a deixar a vida, um a menos na cada vez mais reduzida casta de homens públicos dispostos a encarar desafios gigantescos em nome de sonhos abertamente acalentados.
E a noite, marcada pelo incessante noticiário sobre o acidente, não diminuiu a incredulidade, o choque, a sensação de letargia. Há de ser assim até que todos os rituais de despedida se consumem e a realidade reassuma seu posto, deixando ainda mais evidente a certeza de que o próximo minuto pode ser tão improvável quanto a chance de alcançar um sonho. O herdeiro político de Miguel Arraes deixou de realizar o seu maior, mas como poucos teve o privilégio de ver suas ideias e ações amplamente aprovadas, num sinal claro de sintonia com a população do seu estado.
Sobre a era Eduardo Campos, independentemente da questão político-partidária, o que a História vai dizer é que, sim, Pernambuco foi instado a se colocar diante do espelho e se viu mais à vontade em um novo figurino de desenvolvimento. Sem questionar a natureza do modelo ou as vias pelas quais se chegou a ele, o fato é que, num dado momento, o estado cresceu mais do que o Brasil, embora com tantas carências ainda a serem reclamadas e repetidamente expostas.
Mas, esqueçamos o político. Lembremos da juventude de Eduardo, que se expressava sempre através do sorriso largo, ignorando o minuto da ordem implícita para o recolhimento dos sonhos. E apostemos que ela vá servir de exemplo para que outros ainda mais jovens se aventurem, sinceramente, na tarefa de construir dias melhores. Porque, no fim das contas, é preciso “coração de estudante” para sonhar tão grande assim.