Em Foco 2208

A saída de Carlos Siqueira da coordenação da campanha presidencial do PSB pode ser analisada de várias formas. Seria um fato isolado, um estresse momentâneo? Ou o primeiro de outros que podem estourar se Marina Silva não tiver a habilidade de lidar com as tensões da convivência entre o partido de Eduardo Campos e a Rede Sustentabilidade? Tema do Em Foco do Diario desta sexta-feira, escrito por Vandeck Santiago.

Desentendimentos de campanha

Dois nomes de confiança de Eduardo Campos, integrantes da Executiva do PSB, deixam campanha de Marina e tornam-se primeiras baixas do palanque da candidata

Vandeck Santiago

Lembro de Carlos Siqueira começando a trabalhar com Miguel Arraes, nos anos 1990. Era magro como um palito e estava sempre carregando uma pasta que parecia fazê-lo pender para um lado. De lá pra cá, ele engordou, tornou-se nome de confiança de Arraes no PSB, cresceu na estrutura do partido e hoje é o seu secretário-geral. Conquistou também a confiança de Eduardo Campos: era o coordenador-geral de sua campanha a presidente. A cúpula do partido o trata como “Carlinhos”. Sempre foi um camarada de fala mansa, gentil e educado. Mas ontem Carlos Siqueira estrilou – fez duras críticas à Marina Silva, anunciou que não iria mais apoiá-la e, menos de 24 horas depois de ela ter sido oficializada como candidata do PSB, ele, o secretário-geral, tornou-se a primeira baixa da campanha.
O PSB apressou-se para tentar evitar os estragos do episódio. À noite se anunciou que o candidato a vice, Beto Albuquerque, iria assumir a coordenação da campanha até “passar o estresse” (palavras do próprio Beto) da saída de Siqueira. E depois pediu “tolerância e compreensão” do PSB com a candidata. Aliados de Marina informaram à Agência Estado que ela teria passado a noite em claro, com os desdobramentos da situação. Também à noite deu-se outra baixa: o coordenador de mobilização e articulação, Milton Coelho, outro nome ligado a Eduardo Campos, avisou ao partido que deixará o posto. A segunda baixa.
Como vocês sabem, Marina não é do PSB – ela filiou-se à legenda para disputar as eleições como vice de Eduardo, depois que o seu partido, Rede Sustentabilidade, não conseguiu registro no TSE. Integrantes dos dois partidos estão por enquanto juntos no mesmo palanque. A saída tempestuosa de Carlos Siqueira mostra as dificuldades da convivência. A partir daí há duas formas de avaliar o que aconteceu. A primeira é considerar o episódio como um fato isolado. Houve um mal-entendido, Siqueira arretou-se, deixou a campanha e pronto, acaba aí o problema. Se política fosse assim metade das crises partidárias não existiriam, mas para efeito de argumentação digamos que foi exatamente isso que aconteceu.
A segunda forma de analisar o caso é considerar que ele pode ser não o último, mas o primeiro de outros que podem estourar se Marina não tiver a habilidade de lidar com as tensões da convivência entre PSB e Rede Sustentabilidade. O problema com Siqueira surgiu quando ela indicou um nome de sua equipe, Walter Feldman (SP), para dividir com ele a coordenação-geral da campanha (no mesmo ato colocou outra pessoa para igualmente dividir com um indicado de Eduardo Campos o comitê financeiro da campanha).
Normal que em duas áreas estratégicas da campanha, ela queira ter nomes de sua inteira confiança. Mas em política lê-se muito nas entrelinhas. E aquilo que parece normal sob uma leitura fria, oculta interpretações que só quem está dentro vê – por esse raciocínio a indicação dos dois nomes como “sombras” (para utilizar um jargão da política) pode sugerir desconfiança e vigilância sobre os que estavam ocupando os cargos, impelindo-os a sair ou resignando-se a atuar num espaço restrito.
A leitura de Siqueira é que Marina foi “grosseira” na adoção dessas mudanças e desrespeitou o PSB. “A senhora está cortada das minhas relações pessoais”, disse ele para Marina, ao anunciar para ela o rompimento. Mais tarde, em entrevista à imprensa, disse que a candidata era “hospedeira” do partido, que “não representava o legado de Eduardo Campos” e que “ela que vá mandar na Rede dela, não no PSB. No PSB mandamos nós” (independentemente da natureza das medidas, parece claro que houve amadorismo do comando da campanha na forma de aplicá-las – como é que, menos de 24h depois do lançamento oficial de uma candidatura, permite-se o surgimento de um episódio tão negativo quanto este?).
Carlos Siqueira não é parlamentar nem tem “grupos” organizados para deixar a campanha junto com ele – é um daqueles “quadros” que nos partidos são considerados importantes, mas “sem votos”. Se a sua saída for um fato isolado, os estragos irão diluir-se nos próximos dias. Se for mais do que isso, os estragos vão acabar aparecendo de novo lá na frente.