Em Foco 2608

A ausência de ônibus nas ruas da Região Metropolitana do Recife revela um problema que afeta até quem não sabe mais o que é enfrentar viagens desconfortáveis em veículos lotados com profissionais insatisfeitos. O sistema de gerenciamento do transporte coletivo que movimenta por dia dois milhões de usuários precisa ser rediscutido. Apesar de ser público, através do sistema de concessões, são os empresários que tomaram as rédeas e, alegando prejuízo, contestaram na Justiça do Trabalho o reajuste arbitrado para motoristas e cobradores. Tema do Em Foco do Diario desta terça-feira, na análise de Luce Pereira.

Pesadelos urbanos

Um dia para usuário de ônibus do Recife esquecer. Em apenas quatro horas com a frota reduzida, os transtornos se repetiram e nada garante que cessaram. Esta quinta-feira dirá

Luce Pereira

Agosto não é só o mês mais temido do ano porque ao longo da História registra terríveis “coincidências”. Para a classe trabalhadora, é também aquele em que empresas de ônibus e os empregados delas não se entendem sobre o índice de reajuste reivindicado na campanha salarial – e então o transtorno se repete, a exemplo de sexta-feira e de ontem: filas, gente revoltada, trânsito travado em vários pontos do Recife, funcionários recorrendo ao celular com a justificativa da impossibilidade de comparecer. Um dia de prejuízos para todos os lados, como são os grandes pesadelos urbanos.
No entanto, o movimento de paralisação iniciado sexta-feira nem de longe lembra os transtornos vividos na greve de 2013, quando a violência tomou as ruas e a prioridade dos usuários deixou de ser a ida ou a volta do trabalho para ser a segurança pessoal. Diferentemente, este tem uma trégua já no começo. Hoje, advogados do Sindicato dos Rodoviários viajam a Brasília para tentar reverter a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que, julgando favorável ação movida pelo Urbana-PE, derrubou o reajuste de 10%, reduzindo-o a 6%.
Ou seja, se retornarem ao Recife de mãos abanando, nada garante que motoristas e cobradores vão decidir aceitar a nova realidade, sobretudo porque encontraram uma maneira de fugir do argumento de ilegalidade por descumprimento de medida judicial: vão parar em intervalos como fizeram ontem, complicando, por mais de quatro horas, a vida de quem precisava chegar cedo ao trabalho. Trocando em miúdos, acreditam que poderão escapar da pesada conta cobrada pela Justiça com a justificativa de que não entraram em greve.
Mas é bom dizer que, seja em que mês for, o transporte público de passageiros é pedra no sapato dos usuários, diariamente desafiados a conviver com as agruras de uma frota de ônibus ultrapassada em todos os sentidos. Se nem mesmo o órgão que funciona como gestor da área – o Grande Recife Consórcio – sabe explicar a fórmula usada pelos empresários do setor para chegar aos cálculos apresentados (os atuais mostram, segundo eles, um déficit mensal de R$ 7 milhões), significa que o número pode não corresponder nem de perto à realidade. De acordo com o Urbana-PE, seria o sindicato a bancar a operação, retirando de outros itens da planilha de custos o valor defasado.
Algo como pagar para trabalhar? Se fosse, o segmento estaria na contramão de todas as tendências, assinando recibo sobre a própria incapacidade de sobreviver. Mesmo ganhando do estado e das prefeituras do Recife e de Olinda isenção sobre dois dos impostos mais pesados – o ICMS e o ISS –, na compra de veículos e combustíveis, a partir da licitação do sistema de transporte público. A propósito, não é de agora que existe excesso de expectativa e curiosidade em torno da cortina de fumaça atrás da qual repousam dados fundamentais para a população poder entender de onde vem a alegada dificuldade.
Foi o próprio Grande Recife a reconhecer que os empresários bancam os custos do Consórcio, o que resulta numa operação onde fiscalizar e prestar contas acaba virando um pacto (tácito que seja) de ótima vizinhança – onde as partes só compartilham amenidades, nunca responsabilidades.
Enquanto isso, no Via Livre, a operação dos BRTs se arrasta. Dos sete lotes, apenas dois foram licitados e os grandes corredores (Norte e Sul) ainda não ficaram prontos. Ao lado dos poucos que circulam, seguem os ultrapassados e mal conservados ônibus da frota convencional. É a partir do aspecto da maioria que começam as dúvidas sobre se as “lágrimas” do Urbana-PE fazem sentido. Parece que não.