Em Foco 2908

 

 

A paralisação de motoristas e cobradores de ônibus deixou mais uma vez os dois milhões de usuários da Região Metropolitana do Recife sem transporte no início da manhã desta sexta-feira. Enquanto trabalhadores do sistema e empresários não chegam a um acordo com a administração pública, o problema tornou-se um novo Em Foco sobre o tema na mesma semana, escrito por Luce Pereira.

Sufoco de novo

Com mais uma parada de quatro horas, hoje, fica difícil para o usuário de ônibus entender e aceitar a queda de braço entre os dois  sindicatos, que se arrasta desde  julho

Luce Pereira

Novamente o Recife vai amanhecer sem ônibus, hoje, uma rotina que se arrasta desde julho e deixa milhões de usuários em maus lençóis. Poderia ser diferente, se morassem em uma cidade onde ao menos fosse possível o uso racional de bicicletas, mas o engodo em que se transformaram as promessas de maior mobilidade, a partir da criação e ampliação de ciclovias, só permite utilizá-las a um preço muito alto. Não raro, a própria vida.
Com opções de deslocamento limitadas e a possibilidade de viver, outra vez, pelo menos quatro horas de estresse à espera de ônibus que não aparecem, fica difícil para o usuário entender e, mais ainda, aceitar a queda de braço entre os sindicatos que representam empresas e rodoviários, embora a campanha salarial destes últimos, em 2014, tenha trazido um fato novo capaz de deixar ainda maior a pulga atrás da orelha da população. Neste caso, a tendência é que a novidade pese a favor dos empregados.
Quando se pensava que ao menos este ano os usuários não seriam mais surpreendidos com paralisações, depois de concluídos os “entendimentos” entre as duas partes (motoristas e cobradores teriam 10% de aumento), eis que os empresários do setor recorreram à Justiça, conseguindo do Tribunal Superior do Trabalho a redução do reajuste de 10% para 5%. As interrupções no serviço voltaram a acontecer – hoje, pela terceira vez, depois do descumprimento da medida – e passageiros passaram a adicionar mais uma dúvida às muitas que já têm. A partir do precedente aberto com a quebra do acordo, os próximos tenderão a ser vistos apenas como promessa que pode ser esquecida a qualquer momento.
E é grave. Se não há credibilidade nem nas decisões que em tese garantiriam aos usuários um ano sem enfrentar greves, significa dizer que estariam, mais do que nunca, reféns de quem manda e de quem trabalha no sistema. A propósito, uma vez que o poder público apenas assiste aos maus bocados vividos pelos passageiros e que a possibilidade de greve passa a existir mesmo depois de o martelo ser batido nas mesas de negociação, resta a eles descobrir de que forma podem atenuar os efeitos das paralisações em suas rotinas.
Aliás, semana passada, quando a categoria cruzou os braços também por algumas horas, não faltou quem se queixasse da falta de solidariedade de taxistas que resolveram caprichar na conta cobrada a passageiros. É este tipo de oportunismo que torna ainda mais sofrida a luta de milhares para sair ou chegar em casa quando ônibus ficam nas garagens, numa demonstração de força do Sindicato dos Rodoviários, como é resumidamente chamado o sindicato dos empregados das empresas.
A exemplo de todas as vezes, hoje será um dia difícil para usuários do sistema, cuja debilidade explica-se não apenas pelo modelo de gestão do Grande Recife Consórcio – que existe de direito, mas não de fato – como da cultura do “venha a nós e ao vosso reino, quase nada”, atribuída aos donos das empresas. Diante da falta de compromisso explícito do Consórcio de fiscalizar e cobrar um serviço de qualidade e da eterna recusa da classe patronal em abrir suas contas, o mais acertado é enxergar o setor como uma espécie de terra de ninguém, na qual só há obrigações para os passageiros. De, por exemplo, aceitar e pagar por um serviço com nota abaixo da crítica nos itens mais básicos.
Também é apropriado concluir que os empresários não renovam a não ser a disposição para demonstrar prejuízos impossíveis de serem comprovado através de números. A falta de transparência não deixa, o que torna qualquer tentativa de convencimento sobre perdas do setor um discurso com chances concretas de arrancar não entendimento, mas risos. A propósito, se o negócio deixou de ser rentável, o mais coerente seria desistir da concessão do serviço. Mas isso ninguém cogita.