Em Foco 1209

Nos primeiros sete meses do ano, 1.280 casos foram registrados de adolescentes foram apreendidos em flagrante pela prática de atos infracionais. A redução da maioridade penal é uma das promessas prediletas de candidatos a ocupar cadeiras em casas legislativas, como se a solução estivesse apenas em logo cedo transformá-los em criminosos comuns. É o que alerta Luce Pereira no Em Foco do Diario desta sexta-feira

Quando os jovens matam e morrem

Falência da estrutura familiar, ausência do Estado e sociedade são razões que fazem crescer o exército de adolescentes infratores. Casos já somam 1.280 em sete meses, só neste ano

Luce Pereira

Uma servidora da Chesf e outra da Caixa Econômica Federal foram apanhadas no Aeroporto dos Guararapes pela irmã e a sobrinha de uma delas. Chegavam de São Paulo e se dirigiam para casa pela Avenida Doutor José Rufino (Areias), perto do viaduto sobre a Avenida Recife, quando três garotos, um deles de arma em punho, as obrigaram a sair do veículo, que estava repleto de malas; nelas objetos preciosos para a vida profissional das vítimas, entre eles um ultrabook Dell e um violão Yamaha vazado, elétrico, de náilon (Silent Guitar Ref: SLG 1a). Era a tarde do dia 11 de janeiro. Na delegacia onde foram fazer o Boletim de Ocorrência, constataram a conhecida negligência com casos semelhantes: pouco interesse e o atendente dizendo “mais um”, para reafirmar a banalização do cotidiano de violência vivido por centenas de adolescentes.
Este deve ser um dos 1.280 casos registrados apenas nos sete primeiros meses deste ano, quando adolescentes foram apreendidos em flagrante pela prática de atos infracionais, que cresceram 8% em relação ao mesmo período de 2013. E eles não param. Ontem, dois garotos, um de 12 e outro de 11 anos, furtaram um carro e, dirigindo em alta velocidade pelos bairros de San Martin e Torrões, acabaram batendo em um ônibus na Avenida Caxangá, cruzamento com a BR-101. Agressivos e apresentando pancadas na cabeça, além de arranhões, foram levados para o HR e depois para dois endereços onde a infância e a adolescência pagam pela incapacidade do Estado em ajustá-los à sociedade: o de 12 anos foi para a indigente Funase e o outro, para um Conselho Tutelar, espaço que geralmente funciona de forma muito precária.
Célula desse Estado, a polícia, naturalmente, debita o aumento da criminalidade nesta faixa etária na conta da inimputabilidade dos menores de 18 anos, que não passam mais de 45 dias cumprindo medida socioeducativa e já estão de novo livres para praticar delitos. A propósito, a redução da maioridade penal é uma das promessas prediletas de candidatos (nada confiáveis) a ocupar cadeiras em casas legislativas, como se a solução estivesse apenas em logo cedo transformá-los em criminosos comuns, submetidos ao mesmo rigor da pena aplicada a adultos que cometem crimes semelhantes.
Mas sendo uma questão das mais complexas e um desafio jamais vencido (porque nunca realmente enfrentado), não se resolve com punição pura e simples. Ao menos para neuropsiquiatras e profissionais de áreas afins, não é assim que a banda toca, porque há que se considerar uma série de fatores, os mesmos, na prática, ignorados por Estado e sociedade. O esfacelamento da família está no centro da discussão e a perda de controle dos pais sobre os filhos acaba funcionando como porta aberta para a delinquência. Faltam limites. Do outro lado, a falência da rede de atendimento a essa faixa etária e às famílias de onde vêm funcionam como uma espécie de tiro de misericórdia.
Incrivelmente, o Estado insiste em confundir punição com ressocialização e em ver em unidades da Funase não o inferno em que se transformaram, pela falta de políticas de recuperação da clientela, mas um espaço de onde adolescentes violentos (como são os dos dois casos citados) sairão melhores. Esse Estado sabe que, tal como a Funase, os Conselhos Tutelares se transformaram em frágeis tábuas para náufragos, nas quais poucos conseguem se agarrar. Ou seja, o poder público finge que cuida e a sociedade, que acredita.
Os cidadãos não estariam a cada dia com mais medo de garotos que cresceram em um ambiente de extrema violência, caso se sentissem animados ao menos a enxergar o perigo como ele é. Só não seria tão grave assim se o faz de conta coletivo não funcionasse como tiro pela culatra ou feitiço contra o feiticeiro. Afinal, o caos prospera de acordo com o tamanho da indiferença.