Em Foco 1910

A Igreja ao menos moderou o tom das críticas a temas como divórcio e relacionamentos homossexuais, pois aposta nas palavras inclusão e conciliação enquanto mostra-se disposta a “acolher o lado positivo da vida das pessoas, acompanhando-a com respeito e atenção”. Resultado do sínodo envolvendo 200 bispos convocados pelo papa Francisco e tema do Em Foco do Diario de domingo.

Tabus perdem força na Igreja de Francisco

Documento que acaba de ser divulgado em evento no Vaticano mostra que o papa quer baixar tom  de críticas à união de pessoas do mesmo sexo

Luce Pereira

A sensibilidade e as convicções mostram que o papa Francisco é diferente mesmo de tudo apresentado pela Igreja até ele se transformar no pastor do rebanho católico. Considerada extremamente sisuda e avessa a qualquer abertura em torno dos temas que mais condena, a instituição, no entanto, dá um sinal aqui, outro ali, de está rezando pela cartilha de Francisco – e isto significa brandura, inclusão, perdão. Segunda-feira, o mundo viu, mais uma vez, que se dependesse apenas dele certos tabus como a união entre pessoas do mesmo sexo seriam vistos à luz de uma perspectiva mais cristã, o que, contudo, está longe de significar aprovação.
A novidade surgiu na abertura da segunda semana do sínodo, que reúne 200 bispos no Vaticano. O documento contendo os 58 pontos a serem analisados pelos participantes foi lido pelo relator-geral do evento, cardeal Peter Erdo, e sinalizava que a Igreja pretende ao menos moderar o tom das críticas a temas como divórcio e relacionamentos homossexuais, pois aposta nas palavras inclusão e conciliação enquanto mostra-se disposta a “acolher o lado positivo da vida das pessoas, acompanhando-a com respeito e atenção”.
Para não deixar dúvidas quanto ao novo olhar lançado pelo Vaticano sobre o amor entre iguais, o secretário-especial do sínodo, Dom Bruno Forte, disse que “devemos respeitar a dignidade de cada um. O fato de ser homossexual não significa que esta dignidade não seja reconhecida e promovida. A ideia central é a promoção da pessoa, independentemente de sua orientação sexual”. Ninguém tem dúvida de que trata-se de um avanço, pois o texto se mostra inovador não apenas na linguagem como na preocupação com as duas questões. Também não tem a menor dúvida de que reflete disposição íntima do papa para acolher mais do que crucificar.
Com uma postura de sempre valorizar a pessoa e não as circunstâncias que a faz destoar do rebanho, Francisco já foi até  eleito “personalidade do ano” pela revista norte-americana gay The Advocate. Não porque defenda posição diferente em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas por entender que antes do julgamento moral está a felicidade como direito do ser humano.
Era a volta para casa, depois da espetacular acolhida na Jornada Mundial da Juventude (julho de 2013), e o papa conversava com jornalistas, a bordo do avião que ia do Rio de Janeiro para Roma, justamente sobre os temas que ainda são o calcanhar de Aquiles da Igreja Católica. “Se uma pessoa é gay e busca a Deus, quem sou eu para julgá-la?”, respondeu Francisco à indagação de repórteres  sobre o tema, que, no entanto, continua encontrando fortes reações dentro da instituição. Ante a possibilidade de haver menos rigor na forma de se tratar a questão, contida no documento do sínodo, muitos dos participantes manifestaram desagrado.
Todavia, independentemente de que tamanho venha a ter o próximo passo dado no Vaticano em direção ao tema, defensores ferrenhos dos direitos humanos comemoram e com razão. Pois significa que só o debate sob uma ótica de mais tolerância, por uma das instituições mais poderosas e fechadas do mundo, espanta a teoria do pecado e põe em seu lugar a do amor incondicional – que, no fim das contas, é aquela pregada por Jesus Cristo, a suprema inspiração da Igreja de Francisco.