Em Foco 1810

As bibliotecas não são mais, hoje, apenas um lugar para armazenar livros e onde os jovens vão fazer trabalhos escolares. Têm também funções recreativas, culturais, de acesso à informação. Por isso que a interdição de áreas da Biblioteca Pública do Estado merece uma reflexão urgente do que queremos como país. Tema do Em Foco do Diario do sábado, por Vandeck Santiago.

País rico é…

Biblioteca não é alugar um cubículo, colocar três mesas e 12 cadeiras, batizá-la de Joaquim Nabuco e comprar a coleção de obras completas de Machado de Assis

Vandeck Santiago

Lembram das Jornadas de Junho de 2013, quando o povo foi pra rua com as mais diversas reivindicações? A população pediu praticamente tudo que tinha direito – da instituição do passe livre nos ônibus até coisas mais prosaicas, como “Pelo fim da encoxada nos ônibus” e “Abaixo a música alta no busão”. Sabe o que não apareceu em cartaz nenhum? Bibliotecas. Não se viu um cartaz reivindicando “Bibliotecas Padrão Fifa”.
Agora vamos dar um corte para as eleições atuais, em todos os níveis. Não vou nem perguntar qual o tema que não apareceu em campanha nenhuma porque vocês logo iam saber que era… bibliotecas.
O Brasil melhorou enormemente nos últimos 20 anos, mas continua um país de muitas carências – e nessa escala de necessidades, as que têm alguma mobilização reivindicatória passam à frente sem olhar para trás das que não estão mobilizadas. Estas ficam dependendo de que chegue ao poder algum nome que seja apaixonado pelo assunto ou perceba a importância dele. É difícil. Acompanho eleições diretamente desde 1982, quando Roberto Magalhães derrotou Marcos Freire para o governo do estado. São 32 anos de lá para cá – pois eu digo a vocês: em todo esse período nunca vi aqui um prefeito, deputado, senador ou governador que colocasse as bibliotecas em primeiro plano (também nunca vi uma mobilização de pressão da sociedade para que isso acontecesse).
Este assunto me vem à mente agora porque acabo de ler no Diario de Pernambuco a notícia de que a Biblioteca Pública do Estado está com áreas interditadas por falta de condições de funcionamento. A biblioteca é de 1852; ela inteira funciona precariamente. É a única grande biblioteca pública do Recife (as das universidades, claro, são das universidades). Não se trata de uma particularidade de Pernambuco – em todo o país há exemplos parecidos. A bem da verdade diga-se que o governo Lula lançou um programa para zerar o número de municípios sem bibliotecas no país – e a promessa era que isso aconteceria em 2008. A cada ano renova-se a promessa. Estamos em 2014 e o número não foi zerado. O programa exige contrapartidas das prefeituras e governos estaduais.
Os governantes talvez se preocupassem mais com o tema se se convencessem que as bibliotecas não são mais, hoje, apenas um lugar para armazenar livros e onde os jovens vão fazer trabalhos escolares. Têm também funções recreativas, culturais, de acesso à informação. Devem oferecer também serviços para a população, que estabeleçam elos com a população. Devem servir de espaço para a preservação do passado e da memória local. Contribuir para o combate à exclusão digital e para a redução da desigualdade no acesso à informação. As bibliotecas servem até para combater a violência – em Bogotá e Medellin, na Colômbia, elas tiveram papel fundamental na erradicação da violência e são hoje referência mundial na área.
Agora, um detalhe: não se trata de pegar um cubículo, pintar de azul e branco, colocar três mesas e 12 cadeiras, batizá-la de Joaquim Nabuco e dizer que ali tem uma biblioteca. Não tem. Trata-se de criar megabibliotecas, com acervo atualizado, acesso a computadores, shows, ambiente confortável (poltronas, climatização…). Porque elas não devem servir apenas para os estudantes que querem fazer o trabalho da escola; é para toda a família. Para os trabalhadores de longa jornada, para as donas de casa, para os idosos, para os jovens, para populações da periferia.
E, pelo amor de Deus, devem abrir aos sábados e domingos. É uma distorção terrível: nos fins de semana as nossas (poucas) bibliotecas fecham… Para onde vão as pessoas que buscam algum entretenimento nos finais de semana? Para os shoppings. Nada contra esses estabelecimentos, mas vejam como seria interessante se tivéssemos megabibliotecas com atividades para crianças, jovens, famílias… E não digo só a colocação de livros nas prateleiras, mas atividades mesmo, recreativas e culturais. Nos lugares em que se preza a biblioteca, isso não é exceção – é a prática habitual.
País rico é país sem pobreza. Claro que isso vem em primeiro lugar, e concordo 100% que assim seja. Mas espero chegar o dia em que a gente possa dizer: País rico é país com bibliotecas decentes para toda a população.