Em Foco 2410

Que lições podemos tirar do documentário O ato de matar (The act of Killing) em pleno momento de efervescência eleitoral no Brasil? Primeiro, que não somos a Indonésia e na nossa democracia os três poderes ainda mantêm independência suficiente para não sermos uma ditadura camuflada. Depois, que teremos que encontrar a unidade perdida antes da contagem dos votos no domingo. Tema do Em Foco do Diario desta sexta-feira, por Paulo Goethe.

O ato de votar

Divididos agora pela preferência partidária, temos que ser coesos depois na garantia da governabilidade com a existência de uma oposição responsável

Paulo Goethe

Criminoso sem pudor em admitir torturas e assassinatos decide se candidatar a deputado. Objetivo é claro: entrar na comissão de habitação e faturar pelo menos 10% de cada novo contrato de construção de casas populares. Na campanha de rua, percebe que os eleitores não aceitam a promessa de que receberão dinheiro ou presentes só depois do resultado das urnas. É preciso pagar antes, para não se arrepender depois. O candidato não é eleito. Considera-se traído. Este episódio faz parte de O ato de matar (The act of killing, 2012) dirigido por Joshua Oppenheimer, Christine Cynn e Anônimo (além dele, outros 48 profissionais não quiseram pôr o nome nos créditos com medo de retaliação), um impressionante documentário concorrente ao Oscar sobre a força do poder paramilitar na Indonésia.
Os dois principais personagens, Anwar Congo e Herman Koto, admitem sem pudores que, em 1965, assassinaram sindicalistas, camponeses, intelectuais e imigrantes chineses depois que o governo foi deposto por militares. Para as câmeras, aceitam “reencenar” os crimes, em um tom de farsa que tanto incomoda quanto impressiona. Entre extorsões, ameaças e bajulações a líderes do governo, vão levando a vida sem serem incomodados.
Com mais de 230 milhões de habitantes, a Indonésia é é uma república, com poder legislativo e presidente eleitos por sufrágio universal. Até a próxima década, estará entre as dez maiores economias do mundo, apesar da maioria da população ser de baixa renda. O lema nacional Bhinneka tunggal ika (Unidade na diversidade) tenta equacionar as diferenças sociais para tudo não ficar pior do que é.
O Brasil não é a Indonésia. Também adotamos o sufrágio universal, mas os poderes ainda têm autonomia para nos considerarmos uma democracia, não uma ditadura camuflada. Neste domingo, vamos às urnas para escolher um novo presidente sem esperar pagamento antecipado. Apesar do surgimento de um parlamento mais conservador, ainda confiamos no poder de investigação e de punição de quem desvia dinheiro público.
Os candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves sairão desta eleição menores do que entraram. Nós também. Perdemos a chance de discutir os desafios de crescimento do país em uma economia global que dá sinais de que a bonança já passou. As propostas deram lugar ao marketing do aniquilamento. Os coordenadores das campanhas petista e tucana centraram fogo em mostrar que a roubalheira do adversário era sempre pior e, principalmente, maior. Como se algum malfeito fosse perdoável.
Não partimos às vias de fato, mas as redes sociais nestas última semanas tornaram-se um campo de batalha. Se temos que aprender alguma coisa da Indonésia é pelo menos adotar o seu lema nacional. Precisamos da “unidade na diversidade”. O Brasil não vai se acabar na segunda-feira, seja qual for o vencedor. Não haverá mudança substancial na forma de se conduzir o país, porque a rede de apoio social é uma conquista.
Divididos agora pela preferência partidária, temos que ser coesos depois na garantia da governabilidade com a existência de uma oposição responsável. Porque, seja do cordão azul ou encarnado, este direito ninguém tira. O ato de votar.