Em Foco 1911

O Recife adiou a discussão da implantação de telhados verdes, importantes para reduzir as ilhas de calor e os alagamentos. Na contramão de cidades que descobriram os benefícios para toda a população, os vereadores resolveram acatar proposta de colega para poupar os templos religiosos desta futura obrigatoriedade. Tema do Em Foco do Diario desta quarta-feira, por Luce Pereira.

Fora de sintonia com a população

Emenda da vereadora Michele Collins  (PP) fez com que PL do Executivo para adoção dos chamados telhados verdes fosse adiado. Ela quer que lei não se aplique a igreja

Luce Pereira

Um olhar permanente sobre as carências do Recife e a certeza da pouca mobilização do poder público e da classe política para amenizá-las pode levar qualquer observador mais atento a uma conclusão simples: temos enorme (e histórica) dificuldade em nos fazer bem. Mesmo propostas que as partes mais civilizadas do planeta transformaram em políticas públicas de valor inestimável para a vida dos habitantes e do meio ambiente, há décadas, aqui encontra opositores preocupados não em defender o bem-estar coletivo, mas instituições com as quais têm alguma espécie de vínculo. Ontem, o Projeto de Lei do Executivo para a adoção de telhados verdes, que deveria sair vitorioso de votação na Casa de José Mariano, esbarrou em emenda da vereadora e pastora Michele Collins (PP) para poupar templos religiosos de despesas com a medida. Atitude que pode ser muito simpática para os fiéis, mas adia a chance da cidade de atacar um dos seus maiores inconvenientes – as ilhas de calor alimentadas pela falta de verde.
O PLE 67/2013 prevê que haja cobertura verde espessa em telhados de edificações habitacionais a partir de quatro pavimentos e nos comerciais com mais de 400 metros quadrados. Além disso, que imóveis de área superior a 500 metros quadrados, sem impermeabilização de 25% do terreno, construam reservatórios para conter água da chuva, os chamados “piscinões” – solução destinada a amenizar alagamentos, mal do qual a cidade é vítima constante. Não fosse pela construção de um, na Rua Santo Elias (Espinheiro), ainda no mandato do prefeito João Paulo, a área continuaria submetida ao mesmo sofrimento de anos, recebendo, além do volume suportável para não causar transtornos a pedestres e motoristas, mais 201 metros cúbicos de água a cada chuva forte.
Entretanto, não há nenhuma grande surpresa causada pela proposta da vereadora – de o projeto eximir as igrejas da obrigatoriedade da medida –, dado que o mandato anterior se colocou claramente em defesa dos interesses dos templos evangélicos, de onde saem milhares de votos. Estranho mesmo foi ver a maior parte dos vereadores da Casa – ao mesmo tempo em que tentavam dissuadir a colega de, com o instrumento, adiar a votação a perder de vista – assinando o pedido em favor da emenda. Era o peso do voto dos fiéis falando mais alto. Porém, quantas vezes a cidade já não teve benefícios adiados ou esquecidos porque eles são transformados em objetos de barganha política? Aqui, difícil mesmo é ter telhado de vidro e mantê-lo inteiro, porque não falta quem atire não a primeira pedra, mas a milésima.
Diante de provas tão contundentes de que a Casa de José Mariano não foge ao padrão de outras casas parlamentares fora de sintonia com as expectativas do povo, é ingenuidade cair na tentação de comparar, ainda mais em se tratando de realidades tão distintas. Ainda assim, apenas a título de ilustrar a indignação, vale dizer que desde os anos 1980 a prefeitura da alemã Stuttgart coloca a mão no bolso para, com um número cada vez maior de telhados verdes, diminuir as ilhas de calor. Isso sem falar que há mais de 80 anos a cidade não para de expandir suas áreas arborizadas, porque os gestores entendem que discurso sobre qualidade de vida sem levar em conta esta medida não passa de pura falácia.
Difícil de assimilar é o fato de o Recife reunir todas as condições para ser uma capital diferenciada, do ponto de vista ambiental e urbano, mas continuar presa a decisões nada felizes, apenas porque pesa mais sobre as escolhas dos seus parlamentares o futuro político deles próprios. Excetuando-se algumas posturas em plenário, o que se viu novamente, ontem, foi um voto contra o cuidado que a cidade tanto reclama e sem o qual parece apenas mais uma entre as menos admiradas. E isso dói.