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“As palavras, como os seres vivos, nascem de vocábulos anteriores, desenvolvem-se e fatalmente morrem. As mais afortunadas reproduzem-se. Há as de índole agressiva, cuja simples presença fere e degrada, e outras que de tão amoráveis tudo à volta suavizam. Estas iluminam, aquelas confundem. Umas são selvagens, irascíveis, cheiram mal dos pés, fungam e cospem no chão. Outras, logo ao lado, parecem altivas e delicadas orquídeas”.

Um livro que começa com este parágrafo reforça a minha crença na literatura. Desde o nascimento do meu filho, há oito meses, voltei ao hábito de ler vorazmente até a mamadeira da madrugada. Voltei talvez por um pouco de remorso por ter vendido 12 caixas de livros, a maioria comprados na Livro 7, graças ao meu salário de estagiário e à inflação que permitia adquirir o que antes era caríssimo. Os preços eram anotados, não digitalizados, não havia como remarcar tudo. Foi assim que conheci Ricardo Piglia, Eduardo Gudiño Kieffer, Efraim Kishon, Isaac Bashevis Singer, Jairo Aníbal Niño. E porque também nunca fui de ir na onda de best seller. Gosto de tudo, principalmente se for fantástico.

Por um desses cruzamentos de sugestões de amigos e de outros autores, finalmente conheci a obra de José Eduardo Agualusa, angolano que já morou uns tempos em Olinda e que, com seus livros, constrói uma sólida ponte entre Portugal-África-Brasil apenas com palavras.

“Milagrário Pessoal”, livro que reproduzo o primeiro parágrafo trata exatamente disso. Somos pessoas de palavras (algumas, nem tanto). Um velho e sua aluna percorrem o mundo lusófono em busca de neologismos, que podem ser tanto a ruína quanto a salvação de nossa língua. Para os pernambucanos, Agualusa transforma Olinda e seus quintais em personagens, citando também gente real e até a Bodega de Véio, recentemente interditada. Se for para ler apenas uma obra dele, indico primeiro Milagrário.

Já prevendo o alumbramento com Milagrário, comecei com Nação Crioula, onde Agualusa toma emprestado de Eça de Queirós o personagem Fradique Mendes para fazê-lo autor de missivas que dão um panorama dos estragos da escravidão nos dois lados do Atlântico no século 19. Pernambuco, como não poderia deixar de ser, é retratado na trama, que tem em Ana Olímpia uma mulher sem igual, não só em Luanda, como também em Olinda, Salvador ou qualquer outra cidade de brilhante e obscuro passado colonial português. As histórias de Agualusa são a nossa história. Palavra de leitor.