Em Foco 2211

Redes sociais, antes de tudo, são negócios. Empresas que, como qualquer outra, têm o lucro como um de seus objetivos. Por isso que, regularmente, os usuários são surpreendidos com o que consideram tentativa de invasão de privacidade. Mas tudo faz parte de um grande jogo. Tema do Em Foco do Diario do sábado, por Thiago Neres.

Carência e lucro

A exposição das ações dos usuários no WhatsApp é apenas mais uma estratégia para garantir aos anunciantes o retorno do investimento

Thiago Neres

Ganha novo capítulo a polêmica provocada pelo WhatsApp, provavelmente o mais popular aplicativo de troca de mensagens para dispositivos móveis. Uma atualização recém-lançada apenas para Android oferece a opção de desativar o sistema dedo-duro na tentativa de dar fim à discussão sobre privacidade nas redes sociais.
Tudo começou no início do mês, quando Mark Zuckerberg decidiu que o comunicador instantâneo agora avisa se o usuário leu a mensagem que foi enviada, para deleite das esposas ciumentas, namoradas desconfiadas e amigos possessivos.
A exemplo de quando o falecido Orkut passou a dedurar da noite para o dia quem havia visitado um perfil, a celeuma foi grande. Críticas e memes surgiram dos quatro cantos da internet questionando a mudança, como se houvesse alguma garantia de imutabilidade quando se trata de redes sociais.
À primeira vista, a explicação esbarra no fator financeiro. No início do ano, a imprensa deu destaque à compra do WhatsApp pelo Facebook ao custo de US$ 19 bilhões. Um valor considerável até para um gigante da web. Mas no final do mês passado veio a notícia de que o aplicativo deu um prejuízo de US$ 232 milhões no primeiro semestre. O faturamento conseguiu ser superior ao registrado em 2013, mas o rombo é o mais claro sinal de que intervenções como o novo recurso podem acontecer a qualquer momento.
Seria ingenuidade, porém, acreditar que o jovem Zuckerberg, com seu perfil empreendedor e competitivo, tomou uma decisão que afeta 600 milhões de usuários ativos mensais de forma arbitrária. Certamente, sabia ou possuía indicadores de que a novidade seria mais aceita do que rejeitada. Mas como explicar a avalanche de comentários negativos? É aí que entra o ponto sensível de toda essa discussão.
Redes sociais, antes de tudo, são negócios. Empresas que, como qualquer outra, têm o lucro como um de seus objetivos. A maior parte do dinheiro vem de anúncios. E se anuncia no Facebook porque ele consegue segmentar sua base de internautas e oferecer publicidade direcionada. É mais provável que a propaganda do lançamento de um chocolate seja exibida para quem gosta de chocolate, só para ilustrar um exemplo dentre as infinitas possibilidades. Esse enorme potencial atrai o anunciante e só funciona porque os usuários abastecem a rede com informações sobre seus gostos pessoais, artistas, livros e filmes prediletos.
Para garantir que as pessoas revelem suas preferências através de curtidas e postagens, uma rede social deve despertar dois sentimentos que parecem antagônicos, mas são complementares: o fetichismo de observar com segurança a vida do outro e a necessidade de exposição. Cabe a ressalva de que isto não deve ser entendido como uma crítica – afinal, os benefícios que as redes sociais trouxeram são inegáveis – mas um “modelo de negócios”. Existem até ferramentas, como o PrivacyFix da AVG, que calculam quanto vale um perfil para o Google e o Facebook. Em 2012, o cofundador do Backupify, Rob May, estimou em US$ 118 o valor médio de uma conta no Facebook.
Manter o ciclo traz implicações do ponto de vista psicológico. Se o ser humano por si só sente necessidade de atenção, nas redes sociais há uma exacerbação desse desejo. Afinal, a maioria escreve e posta fotos esperando que alguém curta, comente ou pelo menos veja. É através dessa interação com o outro que nossa identidade digital vai se construindo. Se para alguns o medo de ser ignorado beira o insuportável e até provoca dependência, para outros é mais simples gerir o ego e lidar com uma contida – mas existente – carência. Atacar o WhatsApp pela mudança é fácil. Difícil é assumir nossos próprios sentimentos.