Em Foco 1612

O Recife precisa urgentemente de novas iniciativas no trânsito, considerado o mais complicado do Brasil e um dos piores do mundo por empresas de GPS e de monitoramento de dados. O fato da capital pernambucana ser a primeira do Brasil a apostar no compartilhamento de carros elétricos pode ser uma luz no fim do túnel. A questão é se haverá tempo para os interessados – motoristas, passageiros e pedestres – optarem definitivamente pelo transporte público. Tema do Em Foco do Diario desta terça-feira, por Paulo Goethe.

Choque no trânsito

Uma pequena frota de carros elétricos vai se incorporar às ruas do Recife como sinal de esperança para uma cidade campeã em engarrafamentos

Paulo Goethe

Para orgulho de seus habitantes, o Recife incorporou mais um título à sua vasta coleção de pequenas megalomanias, daquelas como já ter possuído o maior shopping em área construída e a maior avenida em linha reta da América Latina. A capital pernambucana tornou-se a primeira do país a operar o sistema de compartilhamento de veículos elétricos.
Na verdade, a cerimônia de ontem, onde apenas 20 convidados pilotaram os carrinhos entre os bairros de Santo Amaro e do Recife, foi apenas para incorporar esta primazia. Os motoristas só vão poder mesmo ter acesso à frota de três unidades em março. Até lá, mais carros movidos a gasolina, álcool ou diesel vão passar a circular pela cidade, que ganhou recentemente mais um título, mas este não é exatamente para soltar fogos.
De acordo com o site colaborativo Numbeo, especializado na comparação das mais variadas informações entre metrópoles, o Recife é campeão brasileiro e a décima cidade do mundo em demora no trânsito. Em média, são necessários 55,60 minutos para ir de um ponto a outro. Se o motorista ou passageiro for daqueles que consegue dormir oito horas por dia, significa que 12,5% do seu tempo serão dedicados a deslocamentos em um trânsito cada vez mais engarrafado.
Mumbai, na Índia, é considerada a cidade mais lenta do mundo, com uma viagem de um ponto a outro durando, em média, 70,2 minutos. Acima do Recife neste ranking desagradável estão ainda Nairóbi (Quênia – 65,20 minutos), Teerã (Irã – 61), Pune (Índia – 60,86), Cairo (Egito – 60,31), Miami (Estados Unidos – 59,11), Kolkata (Índia – 58), Dhaka (Bangladesh – 57,67) e Istambul (Turquia – 55,66).
A iniciativa dos carros elétricos, uma nova parceria entre o Porto Digital e a Serttel, já responsáveis pelo aluguel de bicicletas na cidade, visa o mesmo sucesso já obtido na Europa. Além de não poluente, cada veículo para dois passageiros significa a retirada de seis a nove  carros tradicionais das ruas. A questão é saber se os motoristas pernambucanos vão aderir à ideia de deixar seu patrimônio na garagem para usar o transporte público e. eventualmente, o elétrico para deslocamentos na área central do Recife.
Em junho, a TomTom, uma empresa internacional de tráfego por GPS já havia divulgado levantamento com seus usuários apresentando a capital pernambucana como a campeã brasileira em densidade de congestionamento. Neste caso, 60% das vias no Recife eram consideradas saturadas, com lentidão nos horários de pico. Seja qual ranking for, o Recife supera São Paulo e Rio de Janeiro na categoria trânsito infernal. Somos bons até quando somos os piores.
Estamos ainda à espera da conclusão das obras do sistema viário previstas para antes da Copa do Mundo, incluindo a aposta no BRT – Bus Rapid Transit – para ver se haverá mudança nestes indicadores. A questão é se haverá tempo para isso. A cada dia, 48 novos carros emplacados começam a circular no Recife, cerca de 1.440 por mês. Números que podem ser vistos na ocupação irregular das ruas e na festa dos flanelinhas, que por sinal começam a ser cadastrados. O guardador de carro, uma invenção brasileira, agora ganha  um atestado de cumplicidade do poder público, mas nem isso é novidade. Na década de 1960, quando a frota era bem menor, eles possuíam sindicato e uma farda própria. A diferença é que vivemos num mundo mais violento e carro cada vez mais se torna uma arma ou senha para um ataque.
Por sinal, não existe indicador melhor tanto para a impaciência do motorista quanto para a enorme frota do Recife do que os estacionamentos sempre lotados dos shopping centers nesta época do ano. Talvez seja mesmo por isso. Estamos acostumados demais.