Nando Chiappetta/DP/ D. A Press

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Os cartazes estão se multiplicando nas locadoras de filmes do Recife. Mas não são de lançamentos, são de fechamento. No dia 16 de dezembro do ano passado, o Diario até publicou uma reportagem na editoria de Economia sobre este triste fenômeno, que agora atinge as grandes redes. Na sua primeira colaboração para o blog em 2015, o repórter de multimídia Filipe Falcão faz um relato do impacto da extinção dos espaços para aluguel de DVDs e filmes na sua vida. Na sua e na nossa também.

O fim das locadoras (e já não tinham acabado???)

Por Filipe Falcão

Pois é, esta é a pergunta que escuto sempre que comento como estou triste pela locadora de perto da minha casa ter fechado. Além do mais, sou sempre lembrado que existe TV por assinatura, Netflix e sites para baixar filmes. Eu sei de tudo isso. E tenho TV por assinatura e costumo baixar filmes ou até assistir no próprio YouTube. Mas eu gostava de ir para a locadora alugar filmes.
Dizem que tudo começa na infância e então com certeza minha paixão por estes espaços também teve início quando eu era guri. E acho que como filho único, foi nas locadoras que tive acesso ao mundo lúdico do cinema. Antes de receber sentimentos de pena por você achar que fui uma criança solitária e deprimida, eu gostaria de dizer que não, eu não fui.
Tive uma infância muito boa na companhia de primos e amigos de prédio e acho que tenho pouco do que reclamar. Aprendi a andar de bicicleta em um terreno baldio, jogava videogame com meus colegas e comecei a nadar na praia. Mas eu tinha muito tempo livre e um videocassete que tinha controle remoto de fio.
Minha mãe era sócia de uma locadora chamada VideoSom e foi lá que descobri filmes que ocupariam um lugar especial nas minhas lembranças. Como não pensar com carinho na prateleira de terror? E na dificuldade de convencer minha mãe a deixar alugar tais títulos. Acho que nessa época era possível encontrar apenas os três primeiros filmes da série A Hora do Pesadelo. Lembro que vi o terceiro antes do primeiro e achava que o piloto da série de TV era a parte um. Logo depois o SBT exibiu o quatro, que nunca chegou na locadora.
Foi em VHS que vi Hellraiser 1 e 2; alguns Sexta-feira 13 embora eu não lembre a ordem; Cemitério Maldito; Psicose 3 (não entendi bulhufas sem ter visto antes o original); A Volta dos Mortos Vivos 1 e 2; Brinquedo Assassino; Colheita MalditaCreepshow; Halloween 1, 2 e 4. Engraçado como o Halloween 3 não existia em nenhuma locadora. Cada filme era um exercício de convencimento para minha mãe deixar alugar.
E se para meus amigos o momento de independência foi beber, sair só ou passar a noite fora de casa, o meu foi me associar sozinho em uma locadora. Eu realmente não lembro quantos anos eu tinha. Foi quando a pequena VideoSom perto da minha casa realmente se tornou pequena. Havia uma loja maior do grupo um pouco mais distante. Fui até lá e fiquei de boca aberta com a quantidade de filmes. Alguns que eu nunca achei que conseguiria alugar e ficava sempre esperando pela programação do Corujão. Foi lá que encontrei os VHSs (o plural de VHS é VHSs?) de O Massacre da Serra Elétrica, Psicose e Halloween 3.
Me lembro que esta locadora tinha uma parede com os cartazes dos filmes que seriam lançados. Foi lá que vi o pôster de Alien 3 e achei que Sigourney Weaver fosse um cara. Alguns dos lançamentos que me lembro dessa época são A Volta dos Mortos-Vivos 3, Halloween 6, Hellraiser 3 (que frustração ver a Ashley Laurence em pouco menos de um minuto no filme) e o melhor de todos… O Massacre da Serra Elétrica 4 – O Retorno. Este último é sem comentários… Em um tempo onde não existia internet, as informações fílmicas eram divulgadas pela revista SET. Bons tempos…

Nando Chiappetta/DP/ D. A Press

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Eu poderia passar horas digitando sobre estas minhas lembranças. Bom, o tempo foi passando e o VHS começou a apresentar sinais de que seria substituído. Primeiro tivemos o LaserDisc, que não emplacou. E depois o DVD. As TVs por assinatura se popularizaram. Não lembro se foi tudo ao mesmo tempo. Mas fui percebendo que as locadoras começaram a fechar suas portas… Outras trocaram seus acervos por filmes em DVDs. Eu achava que não era a mesma coisa pois os novos acervos eram formados por filmes novos e que tinham passado no cinema alguns meses antes. Mal sabia eu o que significava blockbuster ou cinema mainstream na época…
Mas continuei a frequentar estas novas locadoras. Eu inclusive ganhei meu PlayStation3 ao preencher um cupom por ter alugado dois lançamentos. O tempo continuou passando, o Netflix virou febre e mesmo estas locadoras de DVD foram fechando. No meu bairro era possível encontrar cinco ou seis locadoras alguns anos atrás. Todas fecharam com exceção da que eu era sócio. E o pior é que esta possibilidade nem passava pela minha cabeça pois sempre que eu ia lá me deparava com muita gente. Eu continuava pelo menos uma vez por mês pegando um ou dois filmes. Às vezes escolhia alguma produção antiga. O último filme que aluguei antes da locadora fechar foi Disque M Para Matar, de Alfred Hitchcock e com Grace Kelly. Muito bom por sinal.
Até que um dia cheguei na locadora e me deparei com o cartaz de encerramento e que todo o acervo seria vendido aos preços de R$ 3, R$ 7 e R$ 10. Fiquei realmente triste com esta notícia. Existem ainda outras locadoras na cidade, mas a ideia de alugar filme sempre foi a de sair de sua casa caminhando pela vizinhança e não pegar um carro e dirigir.
Fui então comprar alguns filmes. Curiosamente alguns estavam na lista de títulos da minha infância como A História Sem Fim, Cemitério Maldito e Halloween 4. Também peguei alguns clássicos como Os Pássaros, O Iluminado, Drácula de Bram Stoker, A Morte e a Donzela, entre outros. No total, comprei 20 filmes. Ao chegar ao balcão, encontro uma senhora que estava triste com o fechamento da locadora. Ela falava que o dono não tinha respeito pelos clientes. O aluguel do prédio estava muito caro, foi a resposta. A senhora falou então para arrumar outro espaço e não fechar as portas.
Logo depois chegou um rapaz da minha idade e também lamentou a notícia. De repente, duas garotas com seus 18 anos também chegaram tristes ao lugar. Uma comentou com a outra que se lembrava de qual foi o primeiro filme que alugou na loja. Eu me vi no meio destes clientes. Todos pareciam lamentar. Eu não lembro do meu primeiro filme alugado, mas fiquei com a estranha sensação de saber qual foi meu último. Aquilo sim parecia o fim de algo. Ao menos encerrei este meu ciclo de cliente de locadora com Grace Kelly e Hitchcock. RIP…

Locadoras diario