Em 15 de janeiro de 1955, delegações de todo o Nordeste se encontraram em Paulo Afonso, na Bahia, para um momento histórico. A usina que abasteceria de energia elétrica toda a região, ampliando o sonho almejado anteriormente pelo visionário industrial cearense Delmiro Gouveia, seria oficialmente inaugurada. O Diario tratou o empreendimento como merecia, abrindo manchete no dia seguinte, com todos os detalhes da obra que significava o grande impulso econômico para o Nordeste. “Ao inaugurar, ontem, às 13 horas, a usina hidro-eletrica de Paulo Afonso, o presidente João Café Filho pronunciou o seguinte discurso: ‘Quis o destino que a um filho do Nordeste, eventualmente no poder, coubesse a feliz oportunidade de inaugurar esta obra que assinala o advento de uma nova era para esta região brasileira’”.
Luiz Gonzaga, na música Paulo Afonso, lançada oportunamente ainda naquele ano, retratava assim toda a saga: Delmiro deu a ideia/Apolônio aproveitô/Getulio fez o decreto/E Dutra realizô/O presidente Café/A usina inaugurô/E graças a esse feito/De homens que têm valô/Meu Paulo Afonso foi sonho/Que já se concretizô. Entre louvações ao engenheiro e ao cassaco, o Rei do Baião cantava que o Nordeste ergueria a bandeira da ordem e do progresso. “O Brasil vai”, assegurava no final.
Antes de Paulo Afonso gerar energia a partir do Rio São Francisco, o abastecimento no Nordeste era feito por termelétricas. Além de não suprir a necessidade das indústrias, ainda trazia transtornos para a iluminação pública e o consumo doméstico. No dia 1º de dezembro de 1954, os dois primeiros geradores haviam entrado em funcionamento, abastecendo primeiro Recife e Salvador. A solenidade de inauguração oficial da obra era relativa ao início de operação do terceiro gerador. A primeira hidrelétrica nordestina e a sua primeira linha de transmissão entravam no mapa trinta anos depois da primeira usina brasileira, no Ribeirão do Inferno, afluente do Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Paulo Afonso foi um triunfo da engenharia. Como também as outras hidrelétricas que foram sendo construídas no trecho contínuo de mais de 800 quilômetros do Rio São Francisco entre Piranhas (Alagoas) e Xique-Xique (Bahia). Ao longo das últimas seis décadas, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) foi motivo de orgulho pela sua eficiência e produtividade. Com ela, o Nordeste ia.
Agora, 60 anos depois da inauguração oficial de Paulo Afonso, o Nordeste voltou a ficar dependente de termelétricas e os apagões retornaram com uma frequência não desejada. Como o sistema nacional é interligado, a região ainda trata de envia energia ao Sudeste aos domingos, ao custo de sobrecarga da rede. A conta de luz vai aumentar mais de 30% e o governo federal recomenda cautela no consumo, sinal de que corremos sérios riscos de desabastecimento. A Chesf, com 4.427 empregados, 14 usinas, 33.854 GWh de capacidade de produção e 19.344 km de linhas de transmissão, passou a ser tratada como capital político, com a autonomia reduzida junto à Eletrobrás, gerida pelos partidos que apoiam o/a presidente da vez.
Com o potencial do Velho Chico praticamente esgotado, o Nordeste agora desponta como um novo eldorado energético. Até 2023, 60% da geração de energia da região ficarão a cargo de fontes alternativas, como eólica e solar. Juntas, estas usinas somarão 22 mil MW de potência instalada, mais que o dobro da atual capacidade hídrica, de 10,8 mil MW. É o momento da Chesf encontrar um novo caminho e do Nordeste ser um farol para o país, liderando uma nova cadeia produtiva. Com as torres e painéis mudando a paisagem do semiárido, poderemos dizer, como Gonzaga fez há 60 anos, que o Brasil vai.