Coyoacán é um roteiro obrigatório para quem faz turismo no México. É um vilarejo aprazível, com suas casas coloridas, ao sul da capital do país. Lugar onde o casal Diego Rivera e Frida Kahlo viveu e travou seus embates artísticos e pessoais na Casa Azul, transformada agora em museu com filas na entrada. A meia hora de caminhada dali chega-se à Calle Viena. É um outro museu, mas literalmente sem vida e sem muitos interessados. Lugar onde Liev Davidovitch Bronstein, mais conhecido como Leon Trótski, o revolucionário, foi assassinado em agosto de 1940, atingido na cabeça por uma picareta que Ramón Mercader – um agente enviado por Stalin – conseguiu esconder sobre seu disfarce de Frank Jacson, nome canadense usado pelo suposto belga Jacques Monard, namorado de uma simpatizante norte-americana do exilado russo. Três nomes e um só homem, que ganhou em 1961 a medalha de Herói da URSS e acabou seus dias em Havana, Cuba, em outubro de 1978.

A casa está como se Trótski fosse ainda se levantar para cuidar das suas galinhas e dos seus coelhos. Estas imagens foram feitas em novembro de 2011. Voltaram à minha lembrança ao concluir O homem que amava os cachorros, livro lançado no Brasil em 2013 pela Boitempo, 592 páginas de um monumental trabalho de reconstrução histórica do cubano Leonardo Padura. Jornalista ou não, coloque na sua lista de 2015 de leituras imprescindíveis. A obra tem três faixas narrativas: Trótski, Mercader e Iván, um escritor cubano que esbarra com o assassino do russo na ilha e reluta em contar ou não a sua história. As revoluções russa, espanhola e cubana, com suas frustrações mais do que conquistas, entrelaçam-se na história, que mostra todo o domínio de Padura a partir de sua experiência como autor policial. Um exemplo do seu estilo:

Nos anos de prisão, dúvidas e marginalização a que o conduziram aquelas cinco palavras, Ramón se dedicaria muitas vezes ao desafio de imaginar o que teria acontecido com sua vida se tivesse dito que não. Insistia em recriar uma existência paralela, um trajeto essencialmente romanesco no qual nunca deixara de se chamar Ramón, de ser Ramón, de agir como Ramón, talvez longe de sua terra e suas lembranças, como tantos homens de sua geração, mas sendo sempre Ramón Mercader del Río, de corpo e, sobretudo, alma.

colagem trotski

Os últimos três anos da vida de Trótski são o mote das 408 páginas de Trótski – Exílio e assassinato de um revolucionário, do historiador norte-americano Bertrand M. Patenaude, lançado pela Zahar no ano passado, aproveitando a volta do interesse pelo russo. Com acesso aos arquivos da KGB e depoimentos de seguranças e outras pessoas que conviveram com o russo no México, é um belo complemento, mais formal, da aventura literária de Padura. Porque a história, seja qual for, tem que ser bem contada.