Em Foco 2101

Os níveis médios dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste estão inferiores aos verificados em 2001 e as termelétricas agora operam em tempo integral, podendo parar somente em situações críticas. Além da ameaça de apagão, a tarifa de energia elétrica deve aumentar em até dois dígitos em um momento de retração econômica. A falta de programação em um setor tão estratégico é tema do Em Foco do Diario desta quarta-feira, por Luce Pereira.

O escuro nosso de cada dia

Último apagão, registrado nesta segunda-feira, expõe deficiências do setor elétrico e mostra que 15 anos não foram suficientes para país aprender a planejar

Luce Pereira (Texto)
Jarbas (Arte)

Um intervalo de quase 14 anos separa os apagões da era Fernando Henrique Cardoso dos repetidos “escuros” da era Dilma Rousseff, tempo que os brasileiros julgavam de bom tamanho para o país ter uma política energética capaz de sepultá-los. Não foi bem assim que o barco navegou e agora faz água outra vez, com risco de afundar ainda mais depressa. Felizmente, para os governos, os naufrágios da economia são sempre colocados na conta do consumidor, mas quando a corda ameaça se quebrar em vários lugares, como é o caso deste início de ano, há sempre o perigo iminente de a população não querer pagar sozinha.
Agora, a lista de vilões para justificar as deficiências do setor energético ganhou mais um componente, a sobrecarga resultante das altas temperaturas registradas neste verão, um dos mais quentes dos últimos anos. No entanto, é óbvio que ele não conseguiria produzir os estragos verificados segunda-feira, quando, mais uma vez, estados (São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rondônia) e o Distrito Federal ficaram às escuras, se a palavra planejamento não continuasse sendo uma estranha para todas as esferas de governo. Calor demais vem significando uso excessivo de ar condicionado e mudança no horário de pico de consumo de energia. Nos apagões registrados no governo FHC ele se dava entre 18h e 20h, segundo registros da imprensa à época, e atualmente, entre 14h30 e 15h30.
A questão é que olha-se para o futuro, no Brasil, com óculos de lentes desfocadas, apenas porque corrigir a visão demanda preparo, vontade política e seriedade, artigos desde sempre em falta nas prateleiras da República. Há tempos, por exemplo, organismos de boa reputação voltados para as questões ambientais avisam sobre o iminente colapso no abastecimento de água garantido pelo maior e mais importante sistema de São Paulo, o Cantareira, porém o alerta, vê-se, não foi enxergado com a seriedade necessária e a situação atingiu níveis críticos.
Assim, também, os  prognósticos sobre os problemas que o Brasil iria enfrentar no abastecimento de energia vêm de quase duas décadas e não conseguiram, mesmo assim, arrancar do poder público as medidas de médio prazo necessárias. É natural que a população reaja da pior forma ante o que parece ser a primeira preocupação da Aneel – conceder reajustes nas tarifas para compensar perdas das empresas do sistema. A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) já declarou trabalhar com a expectativa de que todas as empresas do segmento deverão pedir ao governo reajuste extraordinário nos preços das tarifas, “mordida” no bolso que os consumidores devem sentir a partir de março.
Ainda não foi ontem que a Aneel aprovou o aumento bilionário a ser repassado às contas de energia, para cobrir os gastos do setor ao longo de 2015, mas ele não deve demorar. Enquanto isso, o governo vai continuar com o discurso de que “nós temos energia”, como acaba de dizer o ministro da pasta, Eduardo Braga, ao pedir aos brasileiros moderação no consumo, o que não significaria admitir racionamento, mas lembrar o quanto ela custa caro. Ah, sim …
Independentemente de qual seja o discurso utilizado pela área de Minas e Energia para explicar o recrudescimento de um problema que passou mais de uma década como vulcão adormecido, a insatisfação com o desempenho do país neste campo é enorme. Coincidentemente, ele acontece justo quando se imagina que o Brasil esteja passando, também, por um “apagão” de consciência política.