Em Foco 2201

As salas de cinema brasileiras receberam 155,6 milhões de espectadores em 2014, número 4,1% superior ao registrado em 2013. Foram lançadas 114 produções nacionais que disputaram este público com os arrasa-quarteirões estrangeiros. Entre elas, cada vez mais filmes com o DNA pernambucano. O cenário no estado é de uma linha de montagem de curtas e longas, que disputam cada vez mais prêmios internacionais. Tema do Em Foco do Diario desta quinta-feira, por Luce Pereira. A arte é de Rafael.

Pernambuco bem demais na fita

Cinema pernambucano dá mais uma prova de que merece ser visto como marco da retomada da produção nacional ao ter filmes em dois  importantes festivais da Europa

Luce Pereira (Texto)
Rafael (Arte)

Em tempos de arte sufocada por adversidades econômicas e equívocos políticos, a estrela do cinema pernambucano só sobe – e isto desde 1997, com a estreia do premiadíssimo Baile perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, marco na retomada do cinema nacional. A mais nova prova desta boa sina está na lista dos eleitos para o Festival de Roterdã (Holanda), que começou ontem com nada menos do que quatro filmes da lavra local: os curtas A copa do mundo no Recife, de Kleber Mendonça Filho, e Sem coração, de Tião e Nara Normande, os longas Prometo um dia deixar essa cidade, de Daniel Aragão, e Ventos de agosto, de Gabriel Mascaro. Não é pouca coisa, considerando que representam quase um terço dos filmes brasileiros selecionados (15). A boa notícia não acaba aí: para o de Berlim (Alemanha) irão Sangue azul, de Lírio Ferreira, e Brasil S/A, de Marcelo Pedrosa.
Sem querer puxar brasa para a sardinha dos pernambucanos, existe um pouco mais do que torcida em relação à performance dos quatro no festival holandês. Há um dado recente que pode indicar possibilidade de vinda de mais prêmios para o cinema da terra: foi exatamente neste palco que O som ao redor, de Kleber, recebeu seu primeiro prêmio e de onde partiu para conquistar plateias e críticos no mundo inteiro, até ser consagrado com elogios feitos pelo The New York Times. Sempre se quer mais, é claro, porém a participação já representa reconhecimento e prestígio, algo nada incomum numa trajetória que vem ganhando cada vez mais visibilidade em mostras e festivais de cinema do Brasil e do mundo.
Numa das mais recentes – O novo cinema pernambucano – realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, desfilaram 16 longas e 13 curtas-metragens, para não deixar dúvidas sobre a força do fenômeno que ainda intriga muita gente, pela ascensão quase meteórica. Em apenas 17 anos, passou a figurar como um dos mais incensados representantes da cultura cinematográfica brasileira, com filmes que não têm tema nem linguagem uniforme, embora tendam, aqui e ali, a criticar o caos urbano no Recife como símbolo de uma modernidade questionável.
Praticamente com status de escola, o cinema de Pernambuco não é, no entanto, resultado apenas do talento e do arrojo de cineastas e atores. Certamente não teria dado passos tão largos e em tão curto período se não houvesse conseguido atrair a atenção (e o apoio) do poder público para todo o seu potencial e alcance. Os tempos são outros. Diferentemente do Cinema Novo, uma ideia na cabeça e uma câmera na mão levaria hoje, no máximo, à certeza de que filmes dependem, basicamente, do cofre dos governos. Ainda assim, os orçamentos estão a anos-luz dos padrões internacionais e talvez por isso mesmo o resultado surpreenda tanto lá fora.
São frutos tão vistosos que não custa lembrar as proezas alcançadas por Marcelo Gomes e Kleber Mendonça Filho, com filmes indicados para representar o Brasil no Oscar. Cinema, aspirinas e urubus, do primeiro, em 2007, e O som ao redor, do segundo, em 2014, que por pouco não esteve entre os semifinalistas selecionados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Deixando a modéstia de lado, o estado espera, sim, o dia em que um destes cineastas subirá ao palco mais cobiçado do cinema mundial e trará para casa o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Prepare a pipoca, pode estar bem mais perto do que se imagina.