Em Foco 2301

Entre os 14 aeroportos mais movimentados do Brasil,  apenas o do Recife foi classificado como “bom”, de acordo com a avaliação dos próprios passageiros que participaram do levantamento realizado pela Proteste Associação de Consumidores em 2014. Esta percepção geral se agravou no início deste ano, transformando o mês de férias em um inferno de chegadas e partidas. Tema do Em Foco do Diario desta sexta-feira, por Luce Pereira.

A nada chique vida nos aeroportos

Greves, apagões, calor e infraestrutura ruim fazem de terminais de passageiros ambientes estressantes, enquanto usuários reclamam da incompatibilidade entre serviços e reajustes de preços

Luce Pereira (Texto)
Samuca (Arte)

A era em que ex-passageiros de ônibus passaram a dividir espaço nos aviões com gente que pouco ou nunca viajou de ônibus é, também, a que torna todos iguais ao menos em um aspecto: sofrimento. Se há algumas décadas aeroporto simbolizava ao menos organização, agora pode ser facilmente confundido com lugar de pagar penitência, porque os maiores continuam padecendo de infraestrutura e administração ruins, o que significa desconforto, estresse e insegurança.
Isso sem falar nas greves. A de ontem, feita por aeronautas insatisfeitos com a pouca disposição para negociar das companhias aéreas, afetou muito a vida de usuários dos terminais de Guarulhos/Cumbica (São Paulo) e Galeão/Tom Jobim (Rio de Janeiro), os mais movimentados do país, e deixou centenas sem saber a hora de chegar ao destino ou, na melhor das hipóteses, como tornar a espera menos desgastante. Não há cadeiras suficientes, faltam informações, os serviços caem de qualidade e nestes dias, nem a temperatura ajuda.
É óbvio que, diante de um quadro assim, o descontentamento vai se transformando em ranger de dentes e piora quando vem à memória o reajuste de 6,69% no valor da taxa de embarque, em julho, e o acréscimo de 42% nas tarifas, entre novembro e dezembro, este respondendo pela verdadeira ginástica financeira que muitos passageiros fizeram para conseguir viajar.
E a experiência ensina a quem não tem como escapar desses deslocamentos, em fim de ano, que a volta pode não ser exatamente um exercício de respeito ao passageiro, começando pelas filas e a pouca simpatia de alguns funcionários sobrecarregados pelo movimento nos balcões de check-in. Isto quando velhos fantasmas – como os apagões – não inventam de deixar tudo um pouco pior, sobretudo em verões severos como o que o país atravessa.
Em abril de 2014, a ameaça de apagões no Aeroporto do Galeão, durante a Copa do Mundo, era cogitada pelo Ministério da Aviação Civil, porque os sinais já estavam sendo dados com registro de falta de luz no terminal. Não aconteceu. Se houvesse ocorrido, no entanto, os prejuízos seriam atenuados pelo fato de a temperatura se manter em patamar previsível. Não foi o que se viu no último dia 12, em plena temporada de férias, quando o escuro encontrou os saguões do Galeão e de Guarulhos cheios de passageiros suando em bicas, por sobrecarga no sistema de ar condicionado.
Dez dias depois, o calor continua se somando aos inimigos comuns dos usuários e produzindo “efeitos colaterais”. Ontem, ao fazer conexão no Galeão, um passageiro queixou-se do forte cheiro de ratos mortos e tratou de investigar o incômodo. Descobriu que tinham sido vítimas da alta temperatura nos dutos de ar-condicionado.
Enquanto aeronautas e empresas aéreas não se entendem, aeroporto segue sendo ambiente de estresse e revolta. E há ainda outro dado para que ela se mantenha robusta: em cidades que sediaram copas do mundo, os frutos da renovação da infraestrutura serviram para melhorar a qualidade de vida dos habitantes. Mas, no Brasil, a colheita é amarga e a herança, calamitosa, não só nos lugares que um dia já foram sinônimo de bem-estar.