Em Foco 2401

Cada flagelo climático traz, no seu rastro, uma conta bilionária que é paga por todos, mesmo por aqueles que vivem a quilômetros de distância do seu epicentro. O quadro de seca registrado primeiro em São Paulo e que se alastra agora pelo Sudeste afeta, na verdade, todo o Brasil. O momento é de repensar atitudes. Tema do Em Foco do Diario de sábado, por Luce Pereira. A arte é de Jarbas.

A água por um fio

Desabastecimento é muito grave em São Paulo, mas afeta muitas regiões do país e deixa em pânico especialistas, que imploram por
redução do consumo

Luce Pereira (Texto)
Jarbas (Arte)

No dia 24 de julho de 1943, depois da espalhafatosa vinheta, a notícia: “Atenção, atenção, ouvintes do Repórter Esso! O Brasil acaba de declarar guerra às nações do Eixo!”. Desde 1968, o programa despediu-se do rádio, mas, se ainda existisse, certamente começaria a edição de cinco dias atrás com uma manchete não menos preocupante para quase 12 milhões de pessoas: “Presidente da Sabesp diz que a cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e ambiental sem precedente”.
A declaração aconteceu mesmo, mas, sem o tom solene dos comunicados mais dramáticos, perdeu força no meio do turbilhão de assuntos negativos que sacodem diariamente a mídia e ainda encontrou em Geraldo Alckmin obstáculo para chegar às pessoas com a gravidade que tem. Quinta-feira, o governador disse, diante de câmeras de televisão, que não dava para falar em crise de água no estado, se ainda resta o volume morto do sistema Cantareira, o maior de todos. Naquele dia, o nível do reservatório estava em 6% e a previsão era de que, baixando por volta de 0,1% a cada 24 horas, secasse completamente em dois meses. Ou seja, em março ou, no máximo, em junho estará sem uma gota.
Será que os quase 12 milhões de habitantes se deram conta do que o prognóstico representa? A resposta pode estar em uma pesquisa que acaba de ser veiculada pelo maior canal de TV do país: mais de 50% dos ouvidos responderam que, se pudessem, iriam embora de São Paulo. Então, se somaria ao quadro de imensas dificuldades econômicas e sociais um êxodo urbano jamais registrado na história recente do país.
“O que nos espanta é a passividade da sociedade e das autoridades diante da iminência desta monumental catástrofe. Todas as medidas tomadas pelas autoridades e o comportamento da sociedade são absolutamente insuficientes para enfrentar este verdadeiro cataclismo”, declarou, em tom de desespero, o texto conjunto da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis, num apelo para que poder público e cidadãos assumam as devidas responsabilidades.
Mas o quadro de desabastecimento não é grave apenas na maior cidade do país. Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Amazonas enfrentam problemas, enquanto mais de 10 milhões de nordestinos amargam os efeitos da falta de chuva e de infraestrutura que amenize o flagelo. Só em Pernambuco são 173 municípios convivendo com torneiras vazias e carros-pipa. Todo o quadro no país leva especialistas a apostarem em queda na produção industrial e agrícola, no nível de empregos e no aumento de preços. Tempos mais difíceis ainda se anunciam para março.
Quanto mais se evidenciarem provas de que as populações precisam começar urgentemente a fazer economia de água e os governos, a trabalhar contra a escassez, mais todos acreditarão tratar-se de realidade, não de profecia, um alerta já feito por cientistas: “Em breve, a água será a principal causa de conflito entre as nações”. Para o bem de todos, melhor se precaver do que fazer fé no surrado discurso de que o Brasil detém 12% da água doce superficial do mundo. Mal administrado, nenhum bem dura para sempre.