Henfil, o artista irmão do Betinho, aquele cuja volta foi cantada por Elis Regina, na música criada por João Bosco e Aldir Branco, com arranjo de César Camargo Mariano, viveu de forma intensa os seus 44 anos. Tanto que, assoberbado – e dando trabalho também – convidou o amigo jornalista Tárik de Souza para a produção de Como se faz humor político, lançado originalmente em 1984, encomendado pela editora Vozes. Em 126 páginas, o criador de personagens como Graúna, Fradinhos, Zeferino, Bode Orelana e Ubaldo, O Paranoico falava sobre o seu método de criação e suas preocupações políticas com um país que completava 20 anos de ditadura.
Era o tempo das patrulhas – ideológicas e odaras – e todo mundo tinha que tomar um partido. Pois não é que, três décadas depois, o livrinho de Henfil volta a ser atual, desta vez com assinatura da editora Kuarup? A nova edição saiu poucas semanas antes do assassinato de cartunistas do jornal francês Charlie Hebdo por extremistas religiosos e bem a tempo das cobranças violentas nas redes sociais a quem se atreve, pela habilidade do traço, a abordar esquemas reais de corrupção praticados por governos supostamente de esquerda.
Na apresentação da nova edição do livro, Tárik de Souza conta que o projeto fazia parte da Coleção Fazer, onde profissionais de renome revelavam seu método de trabalho. “Gravador ligado, o que rola nesse livro é quase um improviso jazzístico”, afirma. Abaixo, alguns tópicos do pensamento vivo de Henfil. O homem que escrevia cartas à mãe para serem lidas por todos, até pelos fardados, sabia convencer. Até falando.
Relação com o leitor
A primeira coisa é a intuição. Você lê o jornal todo, né? Eu trabalho num jornal, eu conheço o jornal. Quando o que eu faço é um passo à frente, além da linha do jornal, a primeira reação que se tem é de quem escreve no jornal e aí vai desde o porteiro até o diretor, o editor. Mas isso não vale. Porque essas pessoas estão em geral comungando com o padrão do jornal. Mas, se eles reagirem de forma passional, significa que você acertou. Pode não ser o que você esteja querendo, pode não ser o que o jornal esteja querendo, mas você acertou. Então, quando o cara começa a se preocupar com o que você está fazendo, alguma coisa você conseguiu! Depois vem o chamado leitor, aquela pessoa que comenta com alguém… ou comenta com você.
Preconceito
Mas está cheio de caras por aí que aprofundam preconceitos com seus cartuns. É engraçadíssimo. Mas eles aprofundam preconceitos contra o homossexualismo, contra o negro, contra o judeu, contra o comunista. Poxa, tem uma hora que não se pode fazer cartuns contra os comunistas: é quando os comunistas estão sendo perseguidos, caçados. Por mais que você discorde dos comunistas, você não pode. Eu já estive em discordâncias com certas posições do Partido Comunista e fiz cartuns que eu não publiquei. Guardei, destruí.
Direita e esquerda
O mais perigoso humor de direita é o chamado humor de vanguarda ou moderno. Nossa cabeça colonizada convencionou chamar tudo que é estrangeiro de moderno. Assim, temos muita arte, muito humor feito no Brasil copiando as culturas americana, francesa, italiana e sendo, só por isso, consideradas modernas.