Antes do Marco Zero - 1977

No Recife, ao visitar o Marco Zero, lembre-se que antes de 1999 o cenário naquela região portuária, hoje cartão-postal por seus museus, centro de artesanato e restaurantes, era outro. Não existia a rosa dos ventos criada pelo pintor Cícero Dias e quem ocupava o centro da área era o Barão do Rio Branco, cuja estátua foi deixada praticamente de lado na reforma que derrubou árvores e abriu a visão para o oceano e o monumento de Francisco Brennand. Onde hoje de reúnem multidões no carnavais e outros festejos, antes era lugar de encontro de famílias a ver navios e marinheiros em busca de um amor passageiro.

No dia 11 de fevereiro de 1977, o Diario de Pernambuco dedicou quase uma página inteira para falar do Bairro do Recife destacando a figura de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão já citado. Assinado pelo médico e escritor Rubem Franca, o texto aproveitava-se de uma efeméride – o nobre diplomata havia falecido no dia 10 de fevereiro de 1912, exatos 65 anos antes – para conduzir o leitor em uma volta no tempo e no espaço, apresentando uma cidade que quase não existia mais naquela época. É hora de embarcar novamente. Porque esta viagem ao nosso passado nunca termina.

Antes do Marco Zero - 1977 (foto 1)

Um monumento do Recife: o do Barão do Rio Branco

Rubem Franca

Estamos no mais antigo bairro da cidade, o do Recife, primitivamente a freguesia de São Frei Pedro Gonçalves. Estamos no quilômetro inicial do estado de Pernambuco, onde há um marco erguido pelo Automóvel Clube, em 1938. Estamos no cais do Porto, sede da Praça Rio Branco…
E é nesta praça que avulta a estátua robusta do barão, voltada para o mar, no meio da corda de um arco. De um lado e de outro do monumento, ao longo do cais, estão os armazéns 12 e 13. E lá por trás do famoso ministro abre-se o arco da praça, alarga-se o semicírculo de prédios: uma curva que tem as suas extremidades na Avenida Alfredo Lisboa, aquela que corre paralela aos armazéns do porto.

A PRAÇA E O CAIS

E da Praça Rio Branco se irradiam ruas e avenidas, como os dedos de uma mão aberta. E entre as avenidas e ruas, nas esquinas é que se erguem os prédios da praça, principalmente bancos.
São construções bonitas e austeras, do início do século, quando isto aqui era o centro financeiro do Recife. A “praça”, mui apropriadamente chamada do Comércio. Também a ela se dava o nome de Santos Dumont, devido aos sucessos do inventor na França. Ou de Praça Afonso Pena, presidente da República em 1907, quando tiveram início as obras do cais. ou, ainda, Praça Alfredo Lisboa, nome do engenheiro das reformas do porto.
No princípio eram apenas depósitos, trapiches. Daí os nomes: Praia do Trapiche, Cais do Trapiche e, depois, cais do Trapiche Novo. Trapiche que veio ser a Lingueta, a querida e muito frequentada Lingueta na passagem do século. As pessoas se sentavam nos banquinhos, sob as gameleiras, e ficava a olhar navios e conversar fiado…

Antes do Marco Zero - 1977 (foto 3)

OS PRÉDIOS DA PRAÇA
Os edifícios, em número de quatro, foram construídos entre as artérias que se afastam, em leque, da praça. Possuíam, todos eles, uma ou duas cúpulas muito típicas.
Entre os começos da Rua Vigário Tenório e da Avenida Marquês de Olinda está o prédio que já foi importante banco e hoje é escritório de empresa comercial. Foi totalmente descaracterizado. Perdeu o harmonioso zimbório (domo) que o coroava.
Vem a seguir o famoso “ferro de engomar”, triangularmente espremido entre as avenidas Marquês de Olinda e Rio Branco. À maneira de torre cilíndrica, apresenta no alto uma cúpula afunilada sobre delgadas colunas. Bem conservado é, agora, agência do Bandepe, restaurado o prédio em 1974. Foram mantidas as suas formas e tudo o mais do projeto original.

A ASSOCIAÇÃO COMERCIAL
Ladeado pelas avenidas Rio Branco e Barbosa Lima, assenta-se o “palacete coríntio” da Associação Comercial de Pernambuco. No frontão, meio às duas elegantes cúpulas, havia estátuas: três enormes e bem esculpidas figuras femininas que simbolizavam Agricultura, Indústria e Comércio. Não mais existem.
O palacete foi construído de 1913 a 1915, na direção do Barão de Casa Forte, João Amorim. A Associação, que ainda hoje funciona no mesmo prédio, foi instalada a 1 de agosto de 1839 pelo comendador José Ramos de Oliveira, que foi seu primeiro presidente. Vale a apena conhecer a Associação Comercial. Subir as suas escadarias alemãs, de ferro. Admirar os vitrais que têm títulos das riquezas e paisagens do Brasil: coqueiro/cacau/café/borracha/algodão/cacau/fiação/milho/navegação/usina de açúcar/palmeira/via férrea/bananeira/Pão de Açúcar/Botafogo/eletricidade.
O salão nobre tem estátua sedestre (alguém sentado), muito bonita, de Hermes-Mercúrio, o deus greco-latino do Comércio. Há retratos a óleo de José Mariano, do conselheiro Joaquim Correia de Araújo, de Manuel Osório (Marquês do Herval), de Francisco de Sales Torres Homem (visconde de Inhomirim), e de outros vultos de Pernambuco e do Brasil.
Finalmente, entre as avenidas Barbosa Lima e Alfredo Lisboa temos outro prédio de valor, o do Banco de Londres. Mas já não ostenta as brancas abóbadas que o identificavam.

Antes do Marco Zero - 1977 (foto 2)

O MONUMENTO DO BARÃO
Importante o grande monumento da praça. É a estátua pedestre do barão, imponente, de bronze. Tem dois metros e oitenta centímetros de altura, sobre o pedestal de pedra. O barão traja casaca e colete. As luvas estão na mão direita e o polegar esquerdo enfiado no bolso da calça. Cabeça calva. O olhar se perde ao longe, no Oceano.
Obra do escultor francês Félix Charpentier, o monumento foi inaugurado no dia 19 de agosto de 1917.
Filho do visconde, o Barão do Rio Branco é vulto dos mais notáveis do Brasil (1845-1912). Foi jornalista e parlamentar, geógrafo, historiador e estadista. Como pesquisador, escreveu “Notas biográficas”, “Efemérides brasileiras” e “D. Pedro II”.
Na antiga casa número 8 da antiga Travessa do Senado, no Rio de Janeiro, leem-se as seguintes palavras perpetuadas no bronze
“Neste local nasceu José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, que, pelo talento, saber e patriotismo, dilatou o território da Pátria do Norte ao Sul e, no Governo, elevou-a, engrandecendo-a”.
Na face anterior do sólido pedestal do monumento vê-se o brasão do diplomata (com divisa em latim, tudo em baixo-relevo), sobre dizeres, letras grandes, gravados na pedra:

(coroa

esfera armilar

num escudo francês;

dístico: “Ubique Patria-Memor”

– A Pátria lembrada por toda a parte)

AO

BARÃO DO RIO BRANCO

O POVO

PERNAMBUCANO

E nos outros três lados do pedestal, as palavras:

ACRE/ MISSÕES/ AMAPÁ

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