Em Foco 2502

Quem será o próximo presidente do Brasil, ninguém sabe. Mas, para o bem ou para o mal, desde já há uma certeza: ele vai precisar do apoio do PMDB, porque sem isso não conseguirá governar. A política é o tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quarta-feira, por Vandeck Santiago. A ilustração é de Blackzebra.

A vida com e sem o PMDB

Vandeck Santiago  (texto)
Blackzebra  (arte)

Vou falar do PMDB, que amanhã, às 20h30, fará um pronunciamento à nação, em rede nacional. Mas antes permitam-me contar duas histórias curtas.
A primeira tem como protagonista um conhecido integrante da esquerda pernambucana nos anos 1990. Não citarei o nome dele porque não consegui localizá-lo ontem, antes de concluir este texto. Naquele período o entrevistei sobre uma ação em que ele estava envolvido, com ramificação nacional: o estabelecimento de uma união entre PT e PSDB, para fazer vingar no país uma agenda de centro-esquerda, sem precisar ficar dependente dos apoios de outros grandes partidos na época, como PFL e PMDB. “Há mais identidades entre esses dois partidos [PT e PSDB] do que entre eles e qualquer outro”, me disse ele, na época. A tentativa de unidade entre os dois nunca prosperou. O camarada que me deu a entrevista seria anos depois ministro de FHC; hoje é um bem-sucedido parlamentar e crítico duro do PT.
A segunda história é com um peemedebista histórico, Jarbas Vasconcelos. Em 1978 ele foi candidato ao Senado, ainda pelo MDB (a sigla só viraria PMDB em 1980, com a extinção do bipartidarismo). Foi fazer um comício num município do Sertão. Subiu no palanque, olhou pra baixo e não viu ninguém. Era o período da ditadura e o povo, sobretudo nos pequenos municípios, temia (com razões para isso) aparecer em atos que pudessem ser vistos como de oposição à ditadura. “Não tem ninguém!”, disse Jarbas para sua equipe. Mas um dos seus auxiliares recomendou: “Pode fazer seu discurso. O povo não tá na rua, mas tá trancado em casa, escutando”. Jarbas falou, numa cena certamente inédita: um discurso para uma praça vazia, sem um pé de pessoa. Acabou sendo o mais votado na disputa pelo Senado, mas perdeu a eleição por causa da chamada sublegenda – quando mais de um candidato podia disputar a eleição pelo mesmo partido. No caso, a Arena (partido de apoio ao regime) lançou dois candidatos e os votos de ambos, juntos, superaram os de Jarbas.
O que é que estas duas histórias têm a ver com o PMDB de hoje? A primeira explica a dificuldade de governar sem o PMDB. Os dois principais partidos disputam o poder entre si. O que sair vitorioso, precisa fazer alianças para governar. O principal aliado é sempre o PMDB, que mantém sua força no legislativo (hoje, por exemplo, preside o Senado e a Câmara). Dessa forma, o PMDB torna-se o fiador da governabilidade, seja de um governo petista, seja de um governo tucano. Como uma aliança entre PT e PSDB é inviável (e, nos dias atuais, completamente sem sentido, o fato é que sem o PMDB ninguém governa).
Já a segunda história explica a sobrevivência do PMDB. Desde a retomada das eleições diretas, os peemedebistas nunca têm força suficiente para disputar a presidência da República com chances reais de vitória. Não têm sequer um nome competitivo. Mas continuam elegendo pelo país inteiro vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores. É possível encontrar várias explicações para isso; uma dela é o passado do partido de resistência à ditadura. Ficou na memória das pessoas e manteve uma estrutura (diretórios, candidatos etc.) que se ramificou no país inteiro. Os petistas tendem a achar que é deles, e somente deles, o protagonismo no enfrentamento à ditadura e luta pela implantação de medidas de cunho social. Menos a verdade: lá atrás o MDB/PMDB foi o guarda-chuva em que todas as forças defensoras dessas bandeiras se protegeram e puderam prosperar.
Mas, enfim, amanhã o PMDB fala à nação. O que vai dizer? Não sei com certeza, mas suponho que irá reafirmar “compromissos com o povo brasileiro”, sem mostrar-se governista (apesar de ter seis ministérios). Nesses anos todos de “fiador da governabilidade”, o PMDB desenvolveu um senso agudo de como valorizar o seu apoio. Um momento como o atual, em que o governo está vulnerável, é propício para a tática que está em curso: de um lado o apoiador dá pequenos cutucões, aparentando descolamento do governo; do outro, por efeito disso, o papel do apoiador se valoriza (com todas suas consequências: maior participação no governo etc.). Se a situação de quem estiver no governo ficar insustentável, o fluxo permite consolidar o descolamento. É assim que é, este é o PMDB.