Em Foco 0703O 8 de março deve lembrar luta, não festa, porque as previsões não são nada otimistas: Organização Internacional do Trabalho informa que os salários de mulheres e homens só serão iguais em 2086. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco deste sábado, por Luce Pereira. A ilustração da página é de Jarbas

Troque os bombons por respeito

Luce Pereira  (texto)
Jarbas  (arte)

Docinhos, flores, mensagens bonitas, promoções, facilidades e gentilezas, tudo isto é bem-vindo cotidianamente, mas não são todas as mulheres que no 8 de março enxergam este tipo de mimo com bons olhos. Aquelas que incluíram em sua rotina a preocupação com a igualdade de gênero reclamam, e muito, da exploração da data pelo comércio, o que acaba desviando a atenção do que realmente importa: elas preferem receber respeito, aliás, o ano inteiro. Por ele, Patricia Arquette escancarou o verbo ao conquistar o Oscar de melhor atriz coadjuvante, arrancando aplausos entusiasmados na cerimônia do Dolby Theatre, especialmente das colegas Meryl Streep e Jennifer Lopez. Disse que estava na hora de as mulheres terem os mesmos direitos e salários dos homens, recusando o “sambado” discurso de gratidão a pessoas, cachorro e papagaio. A moça se enquadra perfeitamente no perfil daquelas que, saudadas à moda do comércio, neste domingo, poderão reagir com frases do tipo “guarde os seus bombons”. Assim, é melhor saber a quem oferecê-los.
No entanto, o otimismo na declaração da atriz, ao achar que “chegou a hora”, não encontra respaldo nos números de um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), saídos ontem. De acordo com o relatório, pelo andar da carruagem, a tal hora só vai chegar daqui a 71 anos, em 2086, porque países como a Rússia ainda proíbem as mulheres de exercer certas funções, enquanto a França, por exemplo, permitiu mão de obra feminina em tarefas noturnas apenas a partir de 2000. Pelas contas da ONG Equality Now, existem nada menos que 44 nações com leis discriminatórias e o ritmo do crescimento da participação em áreas como economia e política ainda se mostra lento.
Ou seja, o rosa nunca combinou tão pouco com a ferocidade do touro que as mulheres precisam pegar à unha, isso sem incluir o número de leões a desafiar, diariamente, a coragem delas. É bom nem se frustrar com as demonstrações históricas de que podem ter desempenho surpreendente, lembrando, por exemplo, a campanha protagonizada pela modelo norte-americana Geraldine Doyle – que aparece em um cartaz estilizado e ilustrado com a frase “We can do it” (nós podemos fazer isto) – para mostrar o extraordinário desempenho delas, durante a Segunda Guerra Mundial, quando as fábricas perderam os operários para as fileiras nos campos de batalha e as mocinhas e senhoras assumiram as tarefas com louvor. O mundo até hoje festeja o cartaz, mas estas questões o outro mundo, o corporativo, faz questão de esquecer.
Sendo realista, as comparações entre as duas realidades – a masculina e a feminina – dizem que ainda há pouco com o que se contentar, embora as medidas protetivas avancem e as mulheres deixem de ser alvos tão fáceis da violência de gênero e familiar. A recente decisão de transformar em crime hediondo este tipo de agressão foi muito festejada não apenas por feministas, mas pela militância dos direitos humanos, sempre insatisfeita com a demora do Brasil em seguir os passos de outros países onde a intolerância à misoginia cresce a passos largos.
Portanto, meu senhor, o melhor presente, neste domingo, precisa ser o que se deve dar sempre – respeito. Guarde os bombons, as flores e as palavras bonitas para quando já não for necessário exigi-lo.