Em Foco 1303

Número cada vez maior de jovens perde a vida em decorrência do consumo de bebida alcoólica, agora glamurizado nas redes sociais, mas país segue indiferente às estatísticas. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta sexta-feira, por Luce Pereira. A arte da página é de Rafael.

O álcool e o futuro que nunca mais vem

Luce Pereira  (texto)
Rafael  (arte)

O universitário Humberto Moura Fonseca cravou no perfil pessoal no Facebook aquela célebre frase que teria sido criada por Vladimir Maiakoviski – É melhor morrer de vodca do que de tédio – e foi a última. O mais lógico é supor que pretendia apenas deixar clara sua admiração pelo poeta russo e não demonstrar, na prática, concordância absoluta com o que ele escrevera, mas foi traído pela excessiva confiança da juventude em que tudo sempre termina bem. No dia 28 de fevereiro, depois de ingerir cerca de 25 doses da bebida em um concurso para estudantes, no município mineiro de Passos, entrou em coma alcoólico e sofreu infarto fulminante do miocárdio. Tinha só 23 anos.
Na madrugada de ontem, o último cenário visto pela estudante de direito Najla Chacara, 21 anos, também combinava bebida e redes sociais. Depois de noitada à base de muito álcool e de postar mensagem no WhatSapp perguntando a amigos “pode morrer ‘beba’?”, ela dirigia por uma avenida de Natal (RN) na companhia de uma amiga quando perdeu o controle do carro e colidiu violentamente contra um poste. Morreu na hora.
Clínicas e instituições de reabilitação espalhadas pelo país trabalham com estatísticas dramáticas, algumas produzidas pelo Ministério da Saúde, como a que diz que mais da metade (66,6%) dos adolescentes experimenta bebida alcoólica entre 13 e 18 anos. Isso apesar da proibição da venda a menores, o que, se respeitado, poderia evitar que 37% dos dependentes químicos encontrassem aberta a principal porta para o consumo de drogas pesadas.
Não há, no país, um mapeamento permanente da evolução do consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens, o que leva a crer que o quadro é muito mais grave, inclusive com o número de meninas consumidoras de álcool superando o de meninos. Mas de onde vem esta tendência a crescimento, que só sinaliza para uma realidade ainda mais assustadora? De acordo com especialistas, não há apenas um vilão, mas vários, incluindo a facilidade de acesso a bebidas no próprio ambiente familiar, aquela força dada pela publicidade incessante nos veículos de comunicação, além, é claro, de programas que acabam contribuindo para a glamurização do vício, caso do Big Brother Brasil.
Certamente o desgaste do tecido familiar, também determinado pela desobrigação dos pais de impor limites e de estabelecer ao longo da vida diálogo permanente com os filhos, incentiva a prática de vícios naturalmente associados à juventude. Mas há que não esquecer a responsabilidade e o papel do poder público na tarefa de combater o consumo como aconteceu com o tabagismo, um inimigo cada vez mais fragilizado pela decisão do mundo de enfrentá-lo. Com o fim da propaganda, que associava o consumo a sucesso e prazer, e leis rigorosas limitando espaços para fumantes, o que ficou evidente foi a rejeição ao vício. E por que permitir que bebidas alcoólicas sigam afetando número cada vez maior de jovens? Parece apenas uma questão de fazer vistas grossas, como ocorreu com a indústria tabagista durante décadas.
Por fim, não bastassem todos estes apelos, ainda tem o mais irresistível, atualmente: demonstrar, via redes sociais, que se bebe – e muito. Deixa transparecer uma ponta de orgulho. Postar fotos com visíveis sinais de embriaguez é um comportamento que denota, antes de tudo, desejo de afirmação e poder, duas palavras mágicas na cabeça dos jovens. Mas o preço pela ilusão de tê-las, depois de algumas doses, pode ser impagável – a não ser para quem a vida vale menos do que uma noitada boa, o que estava longe de ser o caso de Humberto e Najla.