Em Foco 1903

A internet trouxe muitas facilidades mas o tempo dedicado à web pode estar acabando com os bons momentos de solidão das pessoas. Existe vida longe do celular e do computador? Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quinta-feira, por Silvia Bessa. A ilustração da página é de Jarbas.

Menos selfie, mais self

Silvia Bessa  (texto)
Jarbas  (arte)

Só se sabe que a solitude está em franca decadência. Pouco se tem notícias do hábito de ficar ao “Deus dará”, olhando para o vento, curtindo a solidão dos pensamentos. Nunca vi propaganda alertando para esse efeito colateral do uso da internet, que chegou prometendo  agilizar a vida do sujeito e acabou com o restinho do tempo que havia. A internet mudou a relação das pessoas consigo mesmas. Hoje há quem cogite que a geração dos anos 80 pode ter sido a última a conviver bem com a solidão verdadeira. Ou a solitude, modelo de solidão sem sofrimento.
Os sintomas do declínio estão na rotina diária, associada por exemplo à utilização dos celulares. Pode notar que as pessoas começaram a achar comum, até normal, levar um celular para o banheiro a fim de consultar mensagens antes do banho. Tive notícias de mais de uma pessoa que perdeu o aparelho ao vê-lo cair na privada. E está virando padrão encontrar cidadãos como a do universitário Jota Guadanhin, de 19 anos, dono de um celular recém-comprado por R$ 3 mil. Jota se deita na cama às 23h, põe o celular a 20 centímetros do travesseiro, deixa o volume no máximo e vai dormir. Quando ouve o despertador tocar às 5h30 para ir ao estágio, desliga o dispositivo e, antes de escovar os dentes, olha as mensagens acumuladas ao longo da madrugada. Na academia, enquanto faz exercícios, interage com amigos. No metrô, carro e ônibus é do mesmo jeito. Em muitas situações usando o WhatsApp, aplicativo sugerido inclusive para a realização da entrevista. Sentado à mesa, come, olha as mensagens ou fala com amigos e come mais um pouco. “Faço tudo com o celular. Sem ele, me sinto pelado”.
Outro dia, à revelia, fiz pesquisa de campo na fila de banco do Recife Antigo; e quase unanimidade das pessoas tinha celulares na mão e mantinham um silêncio meio hipnótico. Daqui a pouco não terá ninguém para interagir e falar mal da inflação ou da demora do atendente do caixa, pensei sem resistir à piada. Intrigante a cena. Sim, uma colega contou que a filha de 11 anos disse estar entediada porque não sabia como ocupar as horas. “Sem o celular, o que tem para fazer, mamãe?”, perguntou. “Entediada, minha filha? Não existe isso”, respondeu Raquel, a mãe. Quase nunca ficamos sozinhos.
Tem vendedor ambulante em tudo que é semáforo do Recife vendendo o “pau de selfie”, instrumento que quase alonga a mão e facilita a foto de si mesmo. Falando dos excessos, lembro de parentes e conhecidos que parecem ter mais prazer em fotografar a viagem e postar no Instagram do que ver de perto a novidade; o mesmo acontece com pratos de restaurantes em pleno jantar romântico. Por que isso acontece? porque aquele momento (que, para muitos, não é uma vez perdida) precisa ser coletivizado. Assim a imagem chega às redes sociais, os hoje populares Instagram, Facebook, Twitter.
Há estudos da área de psicologia que indicam que a internet supre a necessidade de sociabilização de muitos solitários que não sabem lidar com a solidão. Pode ser também (frisa-se o também) porque, por certo, existem outros fatores que levam uma pessoa a usar a web para se comunicar com grupos. Li o que pensa Bia Granja, cocuradora da Campus Party no Brasil e uma das fundadoras da plataforma youPIX que é pioneira na discussão da cultura da internet no Brasil. Achei pertinente a análise dela e casa perfeitamente com meu pensamento diante dos excessos que venho presenciando. Bia se pergunta: “Antes da internet era melhor porque tínhamos mais tempo para o eu?”, questiona para responder: “Não, nem melhor, nem pior, simplesmente era”. Sou entusiasta da internet, uso desde as primeiras redes sociais, sou consumidora do que é ofertado pela rede, mas a “internet deu o mundo e ao mesmo tempo nos tirou o nosso mundinho próprio”. É constatação. Um mundo, completa Bia, que era “bem mais restrito, mas que nos permitia ter momentos solitários em que podíamos nos dedicar mais aos nosso self do que à selfie perfeita. A vida lá fora é maravilhosa, mas tirar um tempo para ficar só de vez em quando pode ser melhor ainda. Tente.”