Em Foco 2503

Países dão mostras de que acirram luta contra a corrupção nas instituições públicas, mas combate a inimigo número um no Brasil é morno. Segundo ranking da ONG Transparência Internacional, o país ocupa a 69ª posição entre 175 países na preservação do interesse coletivo. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quarta-feira, por Luce Pereira. A ilustração é de Greg.

Cócegas no monstro de estimação

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Há quatro dias, na italiana Nápoles, o papa Francisco disparou uma série de palavras duras contra a corrupção e os corruptores. Disse que são ladrões da esperança, pois roubam a sociedade, gente honesta e trabalhadora, destroem economias e a reputação das cidades. Ao que parece, o pontífice estava embalado pelas promessas do governo de apertar os nós contra a histórica bandalheira nas instituições, responsável por colocar a Itália entre os países da Europa onde o flagelo mais se robustece. A imprensa também tem mostrado italianos confiantes em tempos de maior cuidado com a ética no serviço público, sobretudo depois do anúncio de um pacote de medidas austeras que demorou duas décadas para ser retirado da gaveta. O plano anticorrupção deve estar aprovado dentro de trinta dias e foi visto como passo significativo para mudar a imagem nacional. Entre as medidas, as estatais terão que tornar públicas todas as informações de interesse coletivo e quem sofrer condenação pela prática do crime não poderá mais voltar a ser servidor do estado.
Na primeira semana de dezembro, em Berlim, a ONG Transparência Internacional, que a cada ano elabora um ranking para classificar o nível de corrupção nas instituições públicas em 175 países, mostrou a Alemanha ocupando a 12ª posição, com 79 pontos, e o Brasil, a 69ª, com 43 pontos – sem esquecer que quanto mais próxima de cem pontos, menos a nação é corroída pelo flagelo. Apesar da distância para o Brasil, na tabela, o país governado pela chanceler Angela Merkel se mostra muito mais preocupado e inclinado a declarar guerra à corrupção, apontada pelo matutino Die Welt, em março de 2012, por sangrar a economia, só naquele ano, em 250 milhões de euros.
Sim, a corrupção é um flagelo mundial, o desafio número um de todos os governos, mas aqui, longe de consolar, a constatação gera uma pergunta que incomoda feito pedra no sapato: por que persiste entre nós ambiente tão propício ao crescimento do monstro, para o qual os governos nunca têm espada afiada? As explicações vão desde as históricas, como o tipo de colonização, às culturais, comportamentais e até patológicas. Especialistas no assunto, inclusive de respeitáveis programas de pós-graduação em psicologia clínica, dizem que a corrupção no Brasil decorre de uma cultura sem identidade sólida e esta produz indivíduos com baixa autoestima, que fogem do sentimento de inferioridade, da impotência. Independentemente do que gera essas pessoas, no entanto, o fato é que precisam ser combatidas não com discursos, mas com medidas austeras.
Como resultado da intolerância cada vez maior dos brasileiros, manifestada nas ruas, o governo da presidente Dilma Rousseff acena com algumas medidas, mas elas parecem cócegas em monstro de estimação, porque não modificam os níveis de confiança dos habitantes. Eis uma explicação para isso: das últimas seis anunciadas, na semana anterior, cinco só vão sobreviver se o Congresso aprovar – e como se sabe, o relacionamento entre as partes está longe de ser um mar de rosas. Em entrevista à Agência Brasil, o cientista político Jorgen Pedersen afirmou que melhorar a eficiência e a transparência das instituições públicas, como forma de enfrentamento da corrupção, é “uma demanda que precisa partir dos próprios cidadãos, já que os líderes políticos são os que mais se beneficiam com o modelo atual”.
Enquanto o jogo político ainda impede que se vislumbre o tempo em que a sangria dos cofres públicos será substituída por transparência e ética, os brasileiros vão fazendo a pipoca para assistir à realidade de cinema na Dinamarca, país que pela terceira vez aparece como o menos corrupto do mundo no ranking 2014 da ONG Transparência Internacional. Lá, existem regras muito claras e rigorosas de conduta para quem ocupa cargo público, sem falar que o governo segue aperfeiçoando seu sistema anticorrupção. Na primeira semana de novembro passado, anunciou que criará um registro público com informações sobre proprietários de todas as companhias do país, tornando-se o segundo a fazer parte de um movimento mundial liderado pela ONG norte-americana Global Financial Integrity (GFI) para combater a lavagem de dinheiro, a corrupção e a sonegação de impostos. Bravo.