Em Foco 2703

Tragédia com avião da Germanwings choca o mundo e abala a confiança de usuários na teoria de que este ainda é o sistema de transporte de massa mais seguro. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta sexta-feira, por Luce Pereira. A ilustração da página é de Samuca.

Apertem os cintos e boa sorte

Luce Pereira  (texto)
Samuca  (arte)

Os olhos que acompanham as imagens de um acidente aéreo de repercussão mundial não são atentos como os que acompanham cenas de guerra em algum lugar do Oriente Médio, por exemplo. São muito mais. Revelam impacto, incredulidade, espanto e angústia, provavelmente porque os desastres protagonizados pela aviação civil se mostrem uma ameaça bem mais próxima – quem não depende ou prefere o avião como meio de transporte? –, enquanto a guerra parece banal filme de terror que se desenrola em regiões remotas do mundo. A reação foi a mesma, na última terça-feira, diante da tragédia que vitimou 150 pessoas, entre passageiros e tripulantes do Airbus A-320 da Germanwings, nos Alpes franceses. Mas este acidente pode ter reflexos mais graves e duradouros na saúde financeira da aviação civil.
Não é só outro desastre. Soma-se a uma lista de 123 (entre voos comerciais, militares e particulares) em todo o mundo, em 2014, ano considerado dos mais violentos para a aviação do planeta. Em apenas cinco deles, 800 pessoas morreram e dos dois da Malaysia Airlines, um segue desaparecido, como se tivesse sido sugado por uma força invisível, sem deixar o menor vestígio. Assim, a cada nova ocorrência, a teoria de que avião é o transporte mais seguro vai perdendo força, em parte, também, porque as empresas, depois dos desastres, não tomam medidas que ajudem a tranquilizar a clientela. Isto é, não tomavam. Ontem, com a hipótese de que o copiloto alemão do voo 4U9525 da Germanwings, Andreas Lubitz, de 28 anos, trancou-se no cockpit (cabine) e, deliberadamente, teria provocado a queda da aeronave, cinco companhias aéreas (EasyJet, Norwegian, Icelandair, Air Canada e Air Transat) se decidiram pela permanência de três pessoas na área de pilotagem, não apenas duas.
Se a decisão destas cinco empresas inaugurar uma época em que todas tratarão de trabalhar rapidamente para não permitir mais abalos na credibilidade dos passageiros, ainda assim, pelo histórico de ocorrências, terão perdido tempo precioso. No Brasil, somado ao pânico que situações assim causam na população, existe um cenário econômico conspirando para deixar a ocupação nos voos bem distante daquela sonhada pelas empresas. E aí, apelar para o velho recurso das promoções pode não ser suficiente para trazer de volta passageiros duplamente atingidos – no bolso e na confiança.
Aliás, o rol de insatisfações com o serviço prestado pelo segmento abrange quesitos que, embora não pesem significativamente na decisão do público de voar, desgastam. Impontualidade, serviço de bordo deficiente, assentos desconfortáveis e alimentação ruim são algumas das mais visíveis e ganham contornos mais fortes quando confrontadas com a política de preços de tarifas e aplicação de reajustes de taxas aeroportuárias.
Diante de tudo isso, o passageiro ainda tem que analisar a quantas anda a saúde financeira da empresa escolhida, o que pode ter implicações diretas em todos os aspectos desta conversa. A Malaysia Airlines, por exemplo, parecia estar muito ruim antes e ficou pior depois das duas tragédias, que afetaram enormemente a venda de passagens. Em setembro, anunciou como pretendia se recuperar: corte de 30% no número de funcionários (6 mil) e opção por tornar-se completamente estatal. Bem, se tudo neste campo continuar sem maiores alterações, é torcer para não ouvir um conselho que só foi engraçado no cinema: “Apertem os cintos, o piloto sumiu”.