Em Foco 2903

Artista petrolinense, que é uma das grandes revelações da Música Popular Brasileira, grava o segundo disco e prepara agenda de shows. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco do domingo, com texto de Luce Pereira e ilustração de Arte DP sobre foto de Élvio Luiz.

O silêncio e a canção de Zé Manoel

Luce Pereira  (texto)

Fui à casa de um amigo, também jornalista, e logo a conversa passou para um tema que adoramos – música. Não demorou muito, o toca-CDs saiu do breve repouso: “Junto ao luar/Você sorrindo diz/ Me dê a mão/ Vou te levar comigo pro salão/Vamos dançar a valsa da ilusão (…)”. Poderia ser Edu Lobo, sim, nos áureos tempos daquela maravilha chamada Valsa Brasileira, feita em parceria com Chico Buarque, mas, não: o dono da voz atende pelo nome de Zé Manoel, também pernambucano (só que de Petrolina) e na estrada desde 2004, quando passou a aparecer em festivais pelo Brasil, inclusive o de Inverno de Garanhuns, de onde foi semifinalista, e o Geraldo Azevedo, que venceu. Ao ouvir aquela música (e depois todas as outras), lembrei do que disse, numa entrevista, o dono de uma das maiores redes de livrarias do país: “Livro novo é livro não lido”. Então, para mim, Zé Manoel aparecia como a mais nova pérola na coleção de joias da MPB.
Fui esquadrinhar o caminho do moço de 34 anos, que toca piano desde os dez, para convencer quem ainda não teve o prazer de ouvi-lo. Veio morar no Recife em 2007, com a ideia de cursar licenciatura em música na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e agarrar-se ao sonho de viver do que mais gosta e sabe. Todavia, num país no qual portas só se abrem num piscar de olhos para ritmos que colam feito chiclete na memória, apostar em letras sensíveis, arranjos primorosos e interpretação delicada é obrigar-se a uma paciência de monge para alcançar o objetivo.
E ele parece ter. Com a premiação no festival Pré-Amp 2011, garantiu a gravação do primeiro álbum, Zé Manoel, e ao ser selecionado pelo edital Natura Musical 2014, a gravação do segundo, Canção e silêncio, que começa a ganhar fôlego daqui a pouco. Entre um e outro, foi conhecendo pessoas do meio, amadurecendo projetos e parcerias, reunindo elogios da crítica especializada, tudo sem abrir mão da simplicidade, que parece ser sua grande aliada. Experimente ouvi-lo em Fantasia de um alecrim dourado, que fica fácil, fácil imaginar o menino preso às raízes, a terra natal como referência de sentimento. Noutras faixas, como Acabou-se assim, está visível a fonte onde bebe com sede: Chico (Buarque), Tom (Jobim), Chiquinha (Gonzaga) … Todos Ph.D em emoção.
Ele é da valsa brasileira, do chorinho, do samba e do jazz, para não deixar dúvida sobre a estrada por onde passeia (já com desenvoltura) desde os 15 anos, quando começou a tocar em um piano-bar e aos 20, em barzinhos, ainda em Petrolina. De verdade mesmo, o anjo que sorri para a arte passou a alargar esta estrada logo em 2005, ao compor a música tema do evento internacional Um mundo para a criança e o adolescente do semiárido, a pedido do Unicef.
Aqui, canta em livrarias, teatros e onde mais houver espaço para música de qualidade, da mesma maneira que habituou-se a uma afetuosa conexão com São Paulo, onde ganhou amigos e novos horizontes. Não faz muito, voltou de uma temporada de 50 dias por lá, quando gravou o segundo álbum e fez apresentações de pré-lançamento. Depois de o trabalho com a Natura chegar ao mercado, acabará, nos palcos, com a espera de paulistas, cariocas, soteropolitanos e, claro, de recifenses, um público que chega junto. “Petrolina é a mãe, e o Recife, o pai”, disse, em entrevista ao portal Pernambuco.com, para justificar a relação próxima com as duas cidades.
Em seu perfil no Facebook, o artista avisa aos fãs: o Natura Musical está disponibilizando mais uma faixa do novo disco, “que vem banhado pelas águas do Rio São Francisco e pelo canto de Dona Amélia do Samba de Véio da Ilha de Massangano, uma linda comunidade de remanescentes quilombolas que fica entre a Bahia e Pernambuco”. Vamos ouvir o moço.