Em Foco 2104

Heróis servem para muitas coisas. Moldam valores, inspiram, apontam para o ideal do que gostaríamos de ser. Por isso, nem que seja apenas uma vez no ano, sempre vale a pena relembrá-los. Tema do Diario de Pernambuco de terça-feira, por Vandeck Santiago. A arte que ilustra a página é de Greg.

Desenforcando Tiradentes

Vandeck Santiago (texto)
Greg (arte)

O 21 de abril é um dos feriados mais antigos do Brasil. Tem 125 anos. Foi instituído em 1890, e comemorado já naquele ano, cinco meses depois da Proclamação da República. Entronizou como herói nacional o alferes José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, morto por enforcamento em 21 de abril de 1792. De todos os envolvidos na chamada Inconfidência Mineira, foi o único a ser executado. Em seguida foi esquartejado e teve partes do corpo pregadas em postes. Estou repetindo a história só para contextualizar, porque desde o início da nossa vida escolar conhecemos a triste sina desse personagem.
Hoje, a partir das 14h, o Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) promove interessante evento: fará um julgamento simbólico de Tiradentes, com uma encenação teatral (o ator Milton Gonçalves o interpretará) e um júri popular simulado. O evento quer fazer uma reparação histórica, e por isso o veredito já é conhecido: desta vez o réu será absolvido. O título é sugestivo: “Desenforcando Tiradentes – Justiça ainda que tardia”.
O autor da ideia é um historiador e escritor, Joel Rufino, que ocupa o cargo de diretor-geral de Comunicação e Difusão do Conhecimento do TJ (que nome interessante para uma diretoria: “Difusão do Conhecimento”…). O que pretende Rufino com o desenforcamento do personagem morto há mais de 200 anos? “Propor uma reflexão sobre temas que eram discutidos na época e trazê-los para os dias atuais: liberdade, justiça, dominação estrangeira, abuso fiscal”. Em outras palavras, “atualizar a luta e o sacrifício de Tiradentes”.
Ao longo da história o nome de Tiradentes foi usado pela esquerda e pela direita, virou uma espécie de “totem cívico”, no dizer do professor José Murilo de Carvalho (A formação das almas: o imaginário da República no Brasil, Cia. das Letras, 2004). Tornou-se personagem de uma frase famosa do escritor e ex-governador pernambucano, Barbosa Lima Sobrinho, sempre relembrada: “No Brasil só há dois partidos: o partido de Tiradentes, defendendo os interesses do Brasil, e o de Joaquim Silvério dos Reis, traindo os interesses do Brasil”. Silvério foi o delator dos inconfidentes mineiros.
Ainda há mistério e sombras em relação a alguns pontos da vida de Tiradentes (esqueçam a imagem à semelhança de Cristo, barbudo e de túnica branca, com que ele é retratado; ninguém sabe exatamente como ele era). Mas o legado de rebeldia, devoção a uma causa, luta contra a monarquia e ativismo por um Brasil diferente – isso tudo permanece incontestado.
Heróis servem para muitas coisas. Moldam valores, comportamentos. Inspiram. Fazem pensar sobre a sociedade que queremos, o que somos capazes de fazer em defesa de nossas convicções. Com barba ou sem barba, de túnica branca ou azul piscina, Tiradentes deixou um legado que pelo menos uma vez por ano – neste 21 de abril – merece ser relembrado.