Em 1973, o escritor norte-americano Paul Theroux embarcou numa jornada pessoal: cruzar a Ásia a bordo de trens. Em 1975, lançou este livro, considerado um clássico da chamada “literatura de viagem”. Seu texto elegante passeia entre descrições de lugares e perfis de gente que encontrou pelo caminho. São 453 páginas de uma aventura que, nos tempos de hoje, seria difícil de repetir. Para lamentar o fato de que o Brasil, ainda no época do Império, abdicou do direito de nos oferecer este meio de transporte.
Abaixo, três amostras do estilo elegante de Paul Theroux:
Então a Ásia estava do lado de fora da janela, e eu era carregado através dela a bordo daqueles expressos que vão para o Oriente, admirando tanto a balbúrdia dentro dos trens quanto aquelas pelas quais passávamos. Qualquer coisa é possível num trem: uma refeição deliciosa, uma noitada, um jogo de cartas, uma intriga, uma boa noite de sono e monólogos de estranhos construídos como contos russos. Minha intenção era embarcar em cada trem que aparecesse pela frente da Victoria Station em Londres até a estação central de Tóquio; tomaria a linha secundária até Simla, atravessaria o passo de Khaybar, e tomaria a linha direta que conecta as ferrovias indianas com as do Ceilão; viajaria no expresso de Mandalay, no Flecha de Ouro da Malásia, nos trens locais do Vietnã, e nos trens com nomes mágicos como o Expresso do Oriente, o Estrela do Norte e o Transiberiano.
Eu procurava trens; encontrei passageiros.
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A franqueza da conversa, como de muitas outras que tive nos trens, devia-se à viagem compartilhada, à comodidade do vagão-restaurante e à certeza de que jamais nos reencontraríamos. As ferrovias são um mercado persa para os romancistas, um bazar, onde qualquer pessoa paciente teria uma recordação para saborear mais tarde sozinha. As lembranças sempre eram inconclusivas, mas, como nos bons romances, sempre tinham um final. O engenheiro melancólico não voltaria para a Inglaterra, se converteria em um desses velhos expatriados que se escondem em países remotos, com gostos bizarros, uma inclinação pela região local, um ressentimento irracional e uma memória tão fiel que afasta deles estranhos curiosos.
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Viajar longas distâncias, depois de três meses, é o mesmo que provar vinho ou escolher uma iguaria num bufê internacional. Aproximamo-nos de um lugar, experimentamos e lhe damos uma nota. Uma visita, uma pausa antes de o próximo trem partir impede qualquer desfrute, mas é possível retornar. Assim, de cada longo itinerário surge um mais simples, no qual o Irã é marcado a lápis, o Afeganistão é cortado, Peshawar recebe um sim, Smila recebe um talvez e assim por diante. Depois, o simples cheiro de um lugar ou sua visão de um assento no canto do Vagão Verde é o bastante para influenciar o viajante a rejeitá-lo e seguir adiante. Quando estive em Cingapura, eu sabia que era um lugar para o qual jamais retornaria; detestei Nagoya depois de apenas 45 minutos na estação; Kyoto foi logo escolhida como um lugar para o qual retornaria. Kyoto era como uma garrafa de vinho cujo rótulo você memoriza para assegurar sua felicidade futura.
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