Em Foco 0207

Banco do Brasil informa que ressarcirá todas as pessoas que compraram dólares falsos em sua agência central, e dará toda a assistência material e jurídica aos prejudicados.

Vandeck Santiago  (texto)

A notícia mais surpreendente do ano, para mim, foi esta da agência central do Banco do Brasil no Recife ter vendido dólares falsos em operações de câmbio. Espera um pouco: a venda não foi de algum local suspeito, daqueles que oferecem a melhor cotação da cidade e te dão notas tão velhas que parecem ser da época do John Kennedy? Não, não foi. Mas a venda não foi feita por um conhecido do amigo do amigo do amigo que vende dólares por telefone e não te dá nenhum recibo? Não, de jeito nenhum. Foi do Banco do Brasil.
Dólar falso qualquer balconista da Calle Florida em Buenos Aires ou qualquer caixa do Starbucks em Nova York reconhece só de olhar – como é que este dinheiro falsificado conseguiu entrar no Banco do Brasil? E pior: como é que conseguiu sair e ser passado para clientes? Qual a origem do dinheiro? Houve falha humana ou técnica? Como é feita a averiguação da autenticidade das notas?
Para nós, pobres mortais, há uma série de dicas para identificá-los: as notas são lisas, ao contrário das originais, que são ásperas, porque têm impressões em alto relevo; têm cores pálidas, ao contrário das originais, marcadas por cores vivas (o ideal é ter sempre uma nota original para comparar com as outras); os números de série nos cantos da nota falsa são tortos e com espaço desigual entre um e outro, enquanto nas originais o espaço entre os números é igual e eles estão todos posicionados com perfeição (se tiver dificuldade, use uma régua); notas falsas não têm marcas d’água. Além disso, é recomendável nunca aceitar notas velhas. Mas apesar de todos os cuidados, pelo menos 1% de todos os dólares que circulam no mundo são falsos. Uma dessas notas pode acabar em seu bolso em qualquer lugar do mundo – até aí, nada demais. O surpreendente é que isso aconteça em um banco, que é líder no segmento de câmbio no Brasil.
Por meio de duas notas oficiais, uma segunda-feira e outra anteontem, o BB informou que:
1) Já entrara em contato com seis clientes que haviam recebido as cédulas falsificadas e que outros 13 casos estavam sob investigação (ou seja, podemos ter aí 19 ocorrências);
2) identificara e isolara todo o lote de cédulas que originou as ocorrências;
3) o problema foi “pontual” e não havia risco para os clientes que “realizaram ou venham a realizar” operações de câmbio nas agências do banco em Pernambuco ou no país.
É uma resposta bem pontual, que não esclarece todas as dúvidas e tenta encerrar o assunto. É direito de toda instituição ou pessoa pronunciar-se por meio de nota oficial, em vez de fazê-lo em entrevista coletiva, por um responsável capaz de tirar todas as dúvidas. Como cidadão, sempre prefiro que os responsáveis falem pelo que devem falar -seja ele presidente da República, diretor do clube de dominó ou dirigente de instituição bancária. Até hoje nunca vi argumento mais convincente do que aqueles que têm a transparência como eixo central.
O problema, porém, ainda não acabou. A Polícia Federal abriu inquérito para investigá-lo. E ontem uma nova denúncia chegou à PF: o administrador de empresas Marcos Antônio Freire de Lyra adquiriu US$ 1.400 na mesma agência central do BB e descobriu que estava com dinheiro falso durante viagem à Argentina, após passar por constrangimento em compras em Buenos Aires. Ele viajou para a Argentina no dia 20 de junho e retornou em 28 do mesmo mês. Foi a terceira pessoa a procurar a PF.
O primeiro caso ocorreu com compra feita em 18 de junho, no valor de US$ 2.820. João Neto da Silva levou este dinheiro para sua filha que mora nos EUA, Amanda Parris. A descoberta dos dólares falsos deu-se quando o pai tentou depositá-los na conta da filha, em um banco de Galveston, cidade da área metropolitana de Houston (Texas). A gerente chamou a polícia. “Ela fez a descrição da gente: é latina, entre 20 e 30 anos, está usando calça jeans acompanhada de um senhor mais velho, que diz ser o pai dela”, relata Amanda Parris em entrevista à TV Globo. “Eu me desesperei, eu comecei a chorar e o meu pai, ele não fala uma palavra em inglês. E o meu pai perguntava: “Minha filha, o que está acontecendo, o que está acontecendo? Falei: ‘Pai, a polícia está chegando, a gente vai ser preso’. E ele: “Preso? Mas por quê? Eu falei: ‘As notas são falsas’”. A polícia do Texas está investigando o caso, e pai e filha não podem retornar ao Brasil até a conclusão das investigações. O BB ressarciu pai e filha (no valor total de US$ 2.820) e informou que colocara um advogado para apoio jurídico aos dois.
A Secretaria de Justiça de Pernambuco, por meio do Procon, também entrou na história e anteontem suspendeu por 30 dias a operação de câmbio do BB no estado. A suspensão foi revogada ontem, após audiência em que o banco prometeu 1) ressarcir todas as pessoas que adquiriram as notas falsificadas e 2) garantir todo o apoio material e jurídico necessário aos prejudicados. Hoje a situação do câmbio no BB em Pernambuco já volta à normalidade.
Evidente que este caso dos dólares falsos não reflete o que é o Banco do Brasil, uma instituição séria, orgulho dos brasileiros e com uma competência atestada pela sua centenária existência. Mas não há como deixar de constatar que algo muito grave aconteceu.