Em Foco 0307

Adesivo que expõe a presidente Dilma vira alvo de repúdio nas redes sociais e de denúncia contra autores, que passam a ser investigados.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

O tiro saiu pela culatra e o feitiço virou contra o feiticeiro. O adesivo de maior mau gosto que a baixaria política conseguiu produzir em tempos de Nova República foi retirado do Mercado Livre e agora os responsáveis estão sendo alvo de investigação, depois de denúncia da Secretaria de Política para as Mulheres feita ontem ao Ministério Público Federal, à Advocacia-Geral da União e ao Ministério da Justiça. O produto mostra uma montagem fotográfica para ser colada na entrada do tanque de combustível de veículos, de modo que durante o abastecimento a bomba lembre um estupro sendo praticado contra a presidente Dilma Rousseff, já que ela aparece semideitada e de pernas abertas.
Extrapolou. Passou dos limites. Excedeu todas as medidas. Foram expressões muito repetidas em comentários indignados nas redes sociais, mesmo por pessoas que não concordam com o governo Dilma. Afinal, nem é preciso razoável nível de discernimento para enxergar no adesivo não uma forma de protesto contra o aumento da gasolina, mas uma saudação ao machismo mais primitivo, que trabalha sem descanso para o Brasil continuar parecendo, aos olhos do mundo, um país de quinta categoria, incapaz de respeitar direitos básicos.
Por esta o fabricante do tal adesivo não esperava. Decerto contava em ter como clientes milhões de pessoas atingidas pelo apagão de consciências que faz o cidadão confundir achincalhe, grosseria e desrespeito com liberdade de expressão; democracia com libertinagem. No entanto, a revolta vista nas redes mostrou que a opinião pública, apesar de bombardeada pelos acontecimentos lamentáveis que a crônica política produz, não perdeu a capacidade de dizer “alto lá” quando se vir ostensivamente manipulada – e da pior maneira.
Para bons entendedores, ao partir para a baixaria as pessoas não expressam sua indignação, mas a incapacidade de argumentar e de convencer sobre aquilo que defendem. Ou seja, têm um nível de consciência política tão precário que não deveriam ser levadas a sério. No entanto, graças ao avanço de forças ultraconservadoras, são justamente elas as que agem – para confundir, jamais para explicar.
A intervenção das instituições às quais a Secretaria de Políticas para as Mulheres pediu apoio se mostra de suma importância, pois ajuda a evitar que o país assista a uma onda crescente de absurdos como esse. No mínimo, servirá como aula de esclarecimento sobre os limites a serem observados, porque a lei não deixa dúvidas nem foi feita para ser respeitada de vez em quando. O adesivo é criminoso, ao menos se depender do que prevê o artigo 140 do Código Penal: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro”. Também se mostra como um escárnio à luta de muitas pessoas e instiituições respeitáveis para transformar o machismo apenas numa lembrança terrível e distante.
Criticar o governo é direito de qualquer um, mas transformar a crítica em apologia a comportamento dos mais execráveis – o machismo – significa subestimar a inteligência e a capacidade de reação dos cidadãos que pensam e agem de forma diferente. Impossível não refletir: quantos oportunistas o mau momento político do país não tem forjado? Os criadores do adesivo são o exemplo mais recente, porém, se a falta de decência não prosperar, poderão virar símbolo do país que não queremos.