Em Foco 0707

Número de denúncias de vazamento de imagens íntimas passa de 48 em 2012 para 224 em 2014. Maiores vítimas são as mulheres, e uma em cada quatro é menor de idade.

Vandeck Santiago (texto)
Annaclarice Almeida (foto)

Não sei se vocês viram um vídeo em que o Ronaldo Fenômeno aparece sendo abraçado e beijado no pescoço por um amigo, Álvaro Garnero Filho, e dizendo que é namorado dele. Ronaldo o conhece desde que o rapaz era uma criança de colo; é amigo do pai e do tio dele. No vídeo o ex-jogador fala com a voz típica de quem bebeu além da conta. Fica claro que a cena é uma grande brincadeira. Mas o tom que o vídeo ganhou na internet foi de que Ronaldo estava aos beijos e abraços com um “namorado” na balada…
As próprias matérias que noticiaram o episódio dizem que não se sabe quando o material foi gravado, nem quem o postou na internet. Ronaldo é uma celebridade; Álvaro é filho de um milionário. Um e outro não vão ter que mudar de vida por causa da gravação. Agora, imaginem que os personagens a ter imagens íntimas divulgadas não fossem eles. Imaginem que fossem, por exemplo, uma adolescente chamada Júlia, de 17 anos, moradora em Parnaíba, interior do Piauí. Ou então outra chamada Giana, de 16 anos, moradora de Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul. Infelizmente, isso ocorreu com elas, em 2013. Júlia teve um vídeo divulgado em que aparecia fazendo sexo com um rapaz e uma amiga; Giana teve imagens dela, nua, vazadas na internet. As duas cometeram suicídio, enforcando-se.
Vejo agora números preocupantes em levantamento da SaferNet, ong de defesa de direitos humanos na web: o número de casos de imagens íntimas vazadas passou de 48 em 2012 para 224 em 2014. Em dois anos, quadruplicou. As maiores vítimas são mulheres (81% das denúncias). Uma em cada quatro é menor de idade. Pesquisa anterior, da mesma entidade, revelou que 32% de jovens entre 16 e 23 anos já tinham recebido pela internet ou celular imagens de amigos sem roupa ou mostrando partes íntimas. Quer dizer, de cada 10, três jovens haviam tido contato direto com esse tipo de ato.
Os danos de quem é vítima do crime podem perdurar pela vida inteira. Há casos de pessoas que tiveram de mudar de emprego, de escola, de cidade, de visual. Passa-se um ano do ocorrido, ou dois, ou 10, ou quanto seja – em algum momento as imagens podem aparecer novamente. Segundo informa a Agência Estado, foi o que aconteceu com a estudante Mônica Pimentel, moradora em Sorocaba, interior de São Paulo. Quando tinha 14 anos um vídeo em que ela aparece tomando banho ganhou a internet. Hoje, com 18 anos, ela é mãe de um bebê de dois meses – quando estava grávida, o vídeo voltou a circular, e ela foi reconhecida, tendo que passar por tudo de novo.
A forma mais eficaz de não ser vítima desse crime é não fazendo os vídeos nem as fotos – mas pessoas que se creem apaixonadas não costumam ver o outro como alguém capaz de lhe fazer o mal. Dia desses, por exemplo, eu vi na TL da minha conta do Facebook a foto de uma mulher seminua, postada por ela mesma, referindo-se ao namorado. No Facebook, imaginem…
Mas se as imagens/fotos foram feitas, e vazaram, não há outra alternativa a não ser ir à luta (não é crime fazer, ou deixar fazer, as imagens. São frutos de consentimento. O crime é a divulgação delas). Sendo menor de idade, procurar logo os pais (sei como isso pode ser difícil, sobretudo quando a vítima mora no interior, onde todos se conhecem e o impacto do fato tende a ser maior. Mas é o que tem de ser feito. Se a conversar afigurar-se difícil demais, pode buscar alguém da família capaz de facilitar o encontro); sendo adulto, buscar apoio de familiares e amigos. Em seguida, buscar orientação para levar o caso à polícia – um ótimo canal para isso é a já citada new.safernet.org.br. Lá eles têm espaço para denúncia e ajuda e orientação.