Em Foco 0209
Episódio envolvendo cineastas Cláudio Assis e Lírio Ferreira soma-se aos muitos que transformam as redes sociais em tribunas contra o preconceito e a intolerância.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Existe um vídeo italiano, na internet, feito para educar crianças contra o machismo e é o melhor indício de como o mundo quer se ver livre dele. Quatro meninos, com praticamente a mesma idade, respondem perguntas feitas por um homem, em off. Todos dizem o nome, onde moram, que idade têm. De repente, surge no grupo uma menina linda, da mesma faixa etária, e a voz sugere que os garotos acariciem o rosto dela. Eles obedecem: alguns o fazem timidamente, outros com cuidado ou ternura. Mas quando o interlocutor diz para bater na face da garota, todos se negam com justificativas as mais sensíveis, cheias de um respeito raro entre muitos marmanjos que habitam do lado de baixo do Equador. A melhor das respostas: “Não, porque sou homem”. Isto apenas para lembrar o ruidoso episódio do fim de semana envolvendo os cineastas Cláudio Assis e Lírio Ferreira, depois do qual foram proibidos de colocar os pés na Fundaj durante um ano.
Não, a dupla não protagonizou um caso típico de machismo, onde existem elementos como violência doméstica, restrição econômica, submissão ou subserviência, mas nem só de comportamentos característicos vivem chauvinistas (de ocasião ou praticantes). Ao interromper, com comentários jocosos e de mau gosto, a fala da convidada do evento de apresentação do filme Que horas ela volta?, a diretora Ana Muylaert, Cláudio e Lírio deram exemplo de machismo disfarçado de “inocência” ou piada, aquele que ocorre quando uma mulher está falando e é interrompida por um participante decidido a não deixá-la concluir o raciocínio. Com esta mesma roupa, também, se apresenta o machismo que faz um representante do sexo masculino se apropriar de ideia exposta por uma representante do sexo oposto e receber todos os créditos e aplausos. Percebeu que, não raro, existe homem “falando difícil” na tentativa de convencer que a colega de trabalho está errada, quando é exatamente o contrário? Ou mesmo que ela enfrenta problemas mentais, até que passe a acreditar de fato nisso? São situações já batizadas com termos em inglês e discutidas em vários artigos sobre questões de gênero.
O que importa, no entanto, é que seguimos sendo muito complacentes com demonstrações (mesmo as claríssimas) de machismo, misoginia, homofobia ou de outros tipos de preconceitos igualmente inaceitáveis. Na lista dos que pesam contra os dois cineastas, ainda existe o de terem chamado a atriz Regina Casé de gorda, segundo pessoas da plateia. Quando os envolvidos em tais situações são indivíduos com algum nível de popularidade, o remédio para enfrentar as críticas continua o mesmo: colocar a culpa no excesso de bebida, como fez, por exemplo, o cantor Ortinho no Festival de Inverno de Garanhuns deste ano, oportunidade na qual usou pornografias e frases de extremo mau gosto para descrever o que, na opinião dele, seria a preferência sexual da maioria das mulheres.
Destoando de tudo isso e consciente da gravidade de posturas assim, o cantor Johnny Hooker preferiu lembrar, em seu perfil no Facebook, que comentários desairosos contra minorias ou situações históricas já custaram o ostracismo a muita gente famosa, como foi o caso do estilista John Galliano, demitido da grife Dior depois de aparecer em um vídeo berrando impropérios contra o contexto que envolveu o Holocausto. Perto disso, a punição aplicada pela Fundaj, convenhamos, foi nada. Mas a verdadeira sentença virá sempre do público, porque, afinal, ele não costuma perdoar em excesso artista que destoa demais da arte que produz.