Em Foco 0309

O ideal era que tivéssemos uma voz da sensatez ativada para gritar “Não faça isso!” toda vez que fôssemos cometer uma besteira.

Vandeck Santiago (texto)
Paulo Paiva (foto)

Um jornalista amigo meu foi preso por matar a ex-namorada. Cumpriu pena, faleceu dia desses. Evito dar maiores detalhes para não permitir  reconhecimentos que causem mais dor aos seus familiares e aos da mulher assassinada. Recorro ao caso só para destacar uma frase que ele me disse uma vez ao referir-se ao episódio, arrependido: “Se tivesse aparecido alguém e dito: ‘Não faça isso! Não faça isso’, eu não teria feito…”.
Este é um caso extremo, de um homicídio; cito outro agora, restrito ao terreno das palavras. Paulo Francis escreveu centenas de artigos. Morreu em 1997, aos 66 anos, arrependido apenas de um, sobre a atriz Tônia Carrero. “É sórdido, imperdoável, uma das mais pungentes vergonhas da minha vida, porque pessoal, mesquinho, deliberadamente cruel, sem que houvesse motivo”, afirmou ele em suas memórias, O afeto que se encerra (1981). O artigo saiu no jornal (hoje extinto) Diário Carioca, em 1958. Para o Francis da maturidade, o melhor era que o texto não tivesse sido publicado; o editor deveria tê-lo guardado na gaveta e no dia seguinte perguntar: ‘Você quer mesmo publicar este artigo?” – quando então, de cabeça fria, ele tomaria a decisão.
Não se compara aqui a gravidade dos dois casos, pelo óbvio motivo de que nenhum artigo pode comparar-se à violência contra a vida. A comparação entre as duas histórias é que, em ambas, os protagonistas sentiram a falta da voz da sensatez. Como ela não se fez ouvir, o desfecho acabou sendo motivo de arrependimento para eles, no resto da vida.
Em períodos ou momentos de paixões exacerbadas ou de desequilíbrios pessoais, a sensatez é a primeira vítima. Isso vale para crises de governo, para quem vai ao cinema perturbar o debate de uma colega, para quem escreve artigos no jornal ou posta comentários nas redes sociais, para quem joga um vaso sanitário de uma altura de 24 metros e comete assassinato (foto) – vale para todos; a diferença é o dano causado.
O ideal é que todos tivéssemos uma voz da sensatez ativada para dizer “Não faça isso!” na hora que fôssemos cometer uma besteira. Ou alguém que, nas horas de crise, em vez de carregar sempre galões cheios de gasolina chegasse sempre com a intenção de buscar saídas alternativas ao caos. Mas na vida real, como sabemos, nada disso costuma estar disponível. Na política do Brasil, por exemplo, há uns 30 anos não temos mais alguém com esta característica.
Quando estamos na idade adulta, temos já desenvolvida a região do cérebro ligada à tomada de decisão. É ela que nos faz refletir antes de agir. Tudo isso sofre a influência do meio em que vivemos, da vida que tivemos, da nossa índole, do código que cultivamos sobre o que seja certo e do errado. Agir por impulso, sem pensar nas consequências dos nossos atos, é algo que só se justifica se você for adolescente (neles esta região do cérebro ainda não está desenvolvida). Se não for, esteja você numa multidão, numa sala de cinema ou diante de um computador, convém tentar ouvir a voz da sensatez antes de agir. Caso contrário, restará somente o arrependimento e a consequente necessidade de pagar pelo que fizemos – às vezes com pedidos de desculpas, às vezes com pena cumprida na prisão.