Em Foco 0710

Paloma Santana, de 10 anos, violinista de uma comunidade pobre de Ipojuca, conquistou por mérito seu espaço e terá um sonho realizado.

Silvia Bessa (foto)
Ivan Nascimento (foto)

O violino de Paloma repousa com ela ao escurecer, protegido numa caixa, recostado sobre a cama, na sobra que o corpo pequeno da menina deixa. A garotinha cuida dele como se fosse o melhor amigo. Antes de deitar, Paloma faz a própria higiene, programa o despertador para cumprir o horário na Escola Municipal Jarbas Passarinho e inicia a hidratação do instrumento com lustra-móveis, preparando-o para a rotina de aulas que mantém de segunda a sábado meio expediente. Com apenas 10 anos, sonha levá-lo na mala para conhecer Roma, o Vaticano e Paris – cidade francesa que provoca nela suspiros. Filha de uma dona de casa e de um vendedor de gás de cozinha, humilde como a maioria dos habitantes do distrito de Camela (município de Ipojuca), receava ser esse um projeto inatingível.
A mãe a confortava no choro: “Você vai ter de se conformar se não conseguir”, dizia Ivanice Santana. Paloma acreditava que poderia. Por felicidade, o desejo dela se realizará bem antes do que a maioria dos mortais. E ela está extasiada pelo presente antecipado do Dia das Crianças.
De cima de um palco, Paloma Eduarda Santana ouviu o anúncio do seu nome na última segunda-feira: será um dos cinco jovens a participar de uma caravana que visitará a Europa e tocará para o papa Francisco. Vai, inclusive a Paris. Por mérito. Quando soube, tremia o corpo.
“Musicalmente, ela é extraordinária. Venceu em um ano o que tínhamos planejado para crescer em dois anos, três anos. Ela conquistou a vaga não por ser a menor da nossa orquestra. Uma equipe técnica a escolheu por méritos”, disse o maestro Márcio Pereira. Com Paloma, viajarão ainda os amigos e moradores de Camela Herlon Dias (violino), Ellionai da Silva (viola), Alexandre Santos (baixo) e Jandson da Silva (cello).
Há um ano, Paloma era outra. A família lutava para que ela e o irmão tangessem para o lado os riscos comuns de uma comunidade imersa na vulnerabilidade social, na pobreza e na violência. Porque Camela, comunidade onde moram 20 mil habitantes, distante mais de vinte quilômetros do agito das famosas praias da cidade, vive assim. Por conta do violino, a menina ganhou disciplina e alargou o vão da janela dos seus olhos. Deixou de ser a “respondona”, que não levava desaforo para casa e não escolhia interlocutor para desafiar, conforme conta a mãe, para se transformar.
“Eu me esforcei muito durante um ano”, disse-me Paloma, integrante da Orquestra Criança Cidadã Meninos de Ipojuca, que acaba de comemorar um ano e é uma espécie de filial da Orquestra do Recife. “Mudei para melhor”, acredita ela. Cem crianças e adolescentes fazem parte da orquestra, e cinco deles foram escolhidos para participar de uma caravana com outros 35 meninos da Orquestra do Recife. A partida está programada para início de novembro. Devem gravar um CD numa igreja no Vaticano, tocar para o papa Francisco, ir à França representar o projeto, que receberá um título da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) pelos serviços prestados.
Paloma sabia que para fazer parte do seleto grupo tinha de se destacar na escola regular (notas e faltas contam como critérios), mostrar bom comportamento e desempenho. Buscou boas notas na escola, treinava a música no projeto das 12h às 16h, chegava em casa e continuava. A família já não aguentava mais as partituras e as músicas repassadas pelo maestro para treino.
Não há como não dissociar a determinação de Paloma da informação que obtive sobre o projeto. Contou-me o secretário de Juventude de Ipojuca, Miquéias Silva, que a escola de música foi um pleito reivindicado pela própria comunidade em 2013. Impossível não lembrar que uma ideia assim tem impactos individuais e conjunturais. A revelação se traduz na frase de Jandson, que, como Paloma, embarcará para desbravar o mundo: “Antes eu sonhava em preto-e-branco”. Ele, Paloma e mais de noventa amigos agora sonham colorido.
Isso é que é presente para criança.