Em Foco 0810

O fato é que há mais estímulos afetando o comportamento de nossas crianças do que supõe nosso vão conhecimento.

Vandeck Santiago (texto)

Um menino de 11 anos tinha um cachorro. Sua vizinha, uma garotinha de 8, também. Um dia o menino pediu à garotinha que ela mostrasse o seu. Ela recusou-se. Ele entrou em casa, pegou a arma do pai em um armário sem cadeado e pela janela atirou na garotinha, que estava no jardim de casa. Atingida no peito, ela foi socorrida ainda com vida. Morreu no hospital. A notícia do fato gerou um dos títulos mais impactantes dos últimos anos: “Menino de 11 anos mata vizinha de 8”.
A garotinha é esta da foto; chamava-se Makayla Dyer. A tragédia aconteceu em White Pine, Tenessee, nos Estados Unidos. O menino foi levado para um centro de detenção juvenil, e deve ficar lá até pelo menos 28 de outubro, quando será realizada a primeira audiência do caso. Os EUA têm uma rigorosa legislação contra crimes praticados por crianças e adolescentes – é o único país do mundo em que crianças podem ser condenadas à prisão perpétua (dependendo do estado em que o crime foi praticado, porque lá as leis para determinados crimes mudam de um estado para outro).
Um caso semelhante aconteceu em 20 de fevereiro de 2009, na Pensilvânia. Jordan Brown, então com 11 anos, foi acusado de ter atirado com uma escopeta na cabeça da madrasta que estava grávida, causando a morte dela e do bebê. O juiz responsável pelo caso disse que “o crime foi como uma execução de uma jovem mãe grávida e indefesa”. Ele foi julgado como adulto e condenado. Seus advogados estão tentando um novo julgamento, alegando que não foi ele quem fez o disparo.
Não conheço estatísticas de assassinatos cometidos por crianças. Mas estes casos citados aqui não são os únicos, nem acontecem só nos Estados Unidos. Em maio de 2014 inquérito da polícia de São Paulo concluiu que um garoto de 13 anos, Marcelo Pesseghini, matou a tiros os pais, a avó materna e uma tia-avó, enquanto dormiam. Em seguida cometeu suicídio. A chacina aconteceu em 5 de agosto de 2013.
Crianças que matam é uma contradição entre termos – como imaginar que, com tão pouca idade, elas já se vejam protagonizando atos de tamanha violência? Se tudo isso fosse apenas um episódio isolado, esse tipo de brutalidade já seria suficiente para nos chamar a atenção. Não sendo um ato isolado, como não é, são ainda mais merecedores de atenção. Quando acontecem, não raro vem um diagnóstico de problema mental dos que cometem os crimes. No caso da chacina de São Paulo, por exemplo, o psiquiatra forense encarregado de apresentar laudo para a polícia atestou que o jovem de 13 anos sofria de doença mental e era acometido de delírios que o faziam misturar um mundo fantasioso com a vida real.
Não é factível supor, no entanto, que em todos esses casos haja um quadro de “doença mental”. Qualquer suposição para explicá-los necessitaria estudos de especialistas – mesmo quando a explicação parece óbvia (naqueles casos em que as crianças vivem num ambiente de violência e brutalidade). Mas esta ressalva não nos impede de supor – como observadores, como pais, como familiares, como vizinhos – que há mais estímulos afetando o comportamento de nossas crianças do que supõe o nosso vão acompanhamento.