Em Foco 2511

Em primeira votação, deputados aprovam volta do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios e não acreditam que medida vá contribuir para piorar níveis de insegurança.

Luce Pereira (texto)
Editoria de Arte (imagem)

O amor extremado pelo Brasil pode até fazer o mais ufanista dos cidadãos acreditar que aos olhos do mundo o país vai, a qualquer hora, assumir sua condição de “gigante pela própria natureza”, como está escrito no Hino Nacional. Mas nenhuma nação pode ter esta estatura tratando segurança com passos vacilantes, sempre pondo um tijolo no edifício e retirando dois. A mais nova vítima da vocação para voltar atrás, neste terreno, é o Estatuto do Torcedor (2003), que impedia frequentadores de estádios de futebol de “portar objetos, bebidas (sobretudo as alcoólicas) ou substâncias proibidas, suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência”. Vetada desde 2009, em Pernambuco, a liberação do consumo de álcool nos estádios venceu por amplo placar (18 a 13), ontem, na Assembleia Legislativa, que seguiu o exemplo de algumas casas parlamentares no país, todas repetindo o mesmo discurso: os muitos episódios que resultaram em pancadarias e mortes não estão associados a bebida, mas à guerra das torcidas organizadas do lado de fora.
Porém, naturalmente, nenhum dos parlamentares favoráveis à medida apareceu com os resultados de qualquer estudo apontando para o que deixaria a população mais tranquila – o acesso fácil a bebidas alcoólicas não contribuirá para o acirramento dos ânimos em dias de jogos. Parece bastante razoável que, em momentos decisivos, as arenas se assemelhem a verdadeiras panelas de pressão e que a paixão, elevada à décima potência e associada ao consumo de álcool, acabe por desencadear comportamentos violentos. Do mesmo jeito que os clubes defendem a liberação do consumo, alegando que a impossibilidade de beber desestimula o torcedor e promove queda significativa na bilheteria, pais podem, pela via contrária, voltar atrás na decisão de ir aos jogos acompanhados dos filhos. E então aquela bela campanha que lutava pela paz nos estádios, tendo a família como símbolo da possibilidade de convivência pacífica entre as torcidas, estará candidata a entrar para o museu das muitas invenções que não vingaram no futebol.
Para observadores de entendimento apenas razoável está claro que o jogo de poder em que se insere a indústria de bebidas move as pedras no tabuleiro desde a invenção das arenas construídas para a Copa do Mundo – a de Pernambuco, por exemplo, tem o nome de uma cerveja – e funcionou perfeitamente no evento. O consumo foi liberado durante os jogos do Mundial e acabou abrindo precedente para os defensores da ideia cantar vitória nas casas parlamentares. Por que não, também, dali para a frente? No entanto, entre o comportamento de estrangeiros nos estádios onde há consumo livre de bebida e o de brasileiros vai uma longa distância, inclusive porque a exigência de se andar nos trilhos é proporcional aos quilômetros que separam o visitante de casa.
Sem sutileza nenhuma, caminhamos para trás quando o assunto é segurança, com o Estado brasileiro resistindo cada vez menos a dar provas de que parece nanico impossibilitado de caber no pretensioso destino de gigante para o qual diz ter nascido. O próximo a cair é o Estatuto do Desarmamento, sob a desculpa de que o cidadão, entregue à própria sorte, precisa se armar e se proteger. No entanto, com o mesmo revólver ele poderá matar, ao mais leve sinal de contrariedade, o vizinho ou alguém no trânsito, ameaça praticamente considerada uma invenção por parlamentares simpáticos à ideia. Estes senhores não compreendem a ira, o estresse e a fúria como resultado de uma sociedade minada por dificuldades que têm contribuição decisiva da mesma classe política. São ciclos que não se rompem e lembram o do cão girando na tentativa de alcançar o próprio rabo.