Em Foco 2111

Einstein, Arraes, Freud, Josué de Castro, Robert Capa, Julião. Refugiados, todos.

Vandeck Santiago (texto)
Armend Nimani/AFP (foto)

Quando tropas estrangeiras invadiram seu país, um conhecido psiquiatra decidiu refugiar-se em outro. Escapou com vida. Suas quatro irmãs ficaram; todas foram mortas. Ano da fuga dele: 1938. Nome do psiquiatra: Sigmund Freud.
Quando tropas de forças adversárias cercaram o palácio em que ele governava, um conhecido político nordestino recusou-se a renunciar. Foi cassado e preso. Libertado por meio de habeas corpus, continuou sendo constantemente intimado para depor. Temia-se que fosse preso novamente, ou até morto. Seu advogado recomendou: “Fuja!” Ele refugiou-se na embaixada de um país da África. Ficou lá dois meses, sem que o governo do seu país lhe concedesse visto de saída. Só conseguiu sair dada a coragem do embaixador, que na prática forçou sua saída. Nome do país: Argélia. Nome do político: Miguel Arraes. Ano: 1964.
Se eu quisesse encher a paciência de vocês poderia passar o dia inteiro citando casos de pessoas notáveis do Brasil e de outros países que também foram refugiados: Einstein, o cientista; Josué de Castro, o nosso pioneiro mundial dos estudos da fome; Marlene Dietrich, a cantora; Francisco Julião, o agitador das Ligas Camponesas; Robert Capa, o fotógrafo genial; Gilberto Gil, o cantor… Em vez disso, fiquemos com a ideia central do raciocínio: a questão dos refugiados não pode ser vista apenas sob a perspectiva negativa, a de que aquelas pessoas (mesmo reconhecendo o sofrimento delas, ou da maioria delas) uma vez dentro do outro país vão criar problemas. No caso da crise atual dos refugiados na Europa, a preocupação maior é que sejam cavalos de Tróia para a entrada de terroristas.
Dado momento que estamos vivendo, com as ações do EI (Estado Islâmico), como a série de atentados em Paris, é compreensível ter este pensamento. Mas ver a questão sob outra perspectiva, a positiva, nos leva a vislumbrar diferentes possibilidades. Ontem o Washington Post trazia informação de que dos 784 mil refugiados que se instalaram nos EUA desde o 11 de setembro de 2001, somente três foram presos por ligação com supostas atividades terroristas, segundo dados do Instituto de Política de Migração. Três, apenas – e, vejam só, dois deles não estavam nos EUA e o caso do terceiro era “pouco crível”, segundo o co-fundador do Instituto.
Além disso – acompanhem o raciocínio, ainda estamos dentro da “perspectiva positiva da análise do problema” -, será que daquelas multidões de refugiados não sairão profissionais que no futuro serão histórias de exemplo para o mundo: líderes, cientistas, atletas, professores, trabalhadores? Outra questão: se a preocupação é com o terrorismo, será que deixar os refugiados no sofrimento, deixar que vejam morrer suas crianças e seus familiares, será que acontecendo isso não estaremos aproximando-os dos terroristas, em vez de afastá-los? E se eles forem auxiliados, se tiverem a chance de uma vida sem medo e opressão para si e seus familiares, será que esta não é a melhor política para fazê-los rejeitar o terrorismo?
Refugiado não é sinônimo de terrorista. A questão deles não é tema distante para nenhum país, como vimos aqui, pelos exemplos citados. E a perspectiva negativa não é a única com que podemos observá-los.