Em Foco 2611

Líder do governo jogou o jogo do “tudo ou nada” e, ao que tudo indica, perdeu. Resta ver se ficará como o único derrotado.

Vandeck Santiago (texto)
Geraldo Magela/AE (foto)

O que mais me surpreendeu nesta história do senador Delcídio Amaral não foi nem sua proposta de um plano de fuga para um delator, que envolveria R$ 4 milhões e incluiria até uma mesada de R$ 50 mil mensais para a família do fugitivo. Tampouco a prisão dele. O que mais me surpreendeu foi o grau de “tudo ou nada” que se depreende da ação. Como um gesto desesperado de quem avalia que, se não fizer o que fez, corre o risco de perder tudo.

Eis as razões da minha surpresa:
1) O senador do caso, Delcídio Amaral (MS), é nada menos que o líder do governo no Senado. Ele próprio participa da conversa cujo teor foi gravado e entregue ao Ministério Público Federal.
2) Em um escândalo em que documentos e conversas vazam como se fizessem parte de uma enxurrada, o senador participa de uma conversa altamente comprometedora, numa reunião com mais três pessoas em um quarto de hotel em Brasília: o seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira; o advogado do delator Nestor Cerveró, Edson Ribeiro, e o filho de Cerveró, Bernardo. Na conversa o senador indica que teria condições de influir no STF, para conseguir a liberação do delator, via habeas-corpus.
3) O senador é um dos políticos que mais apareceu na mídia nos últimos anos. Presidiu a CPI dos Correios, que investigou o “Mensalão”, em 2005. Concorreu duas vezes ao governo do MS. Foi diretor de Gás e Energia da Petrobras, em 2000/2001, período em que era filiado ao PSDB (em 2002, já no PT, elegeu-se senador). Trata-se de um cidadão facilmente reconhecível aonde quer que vá, principalmente em Brasília. Ele vai para um encontro em um hotel com o advogado de um dos principais delatores da Lava-Jato, sem temer que vazem notícias e imagens do encontro dos dois?
4) No plano de fuga proposto por ele, a operação era mirabolante: exigiria a fuga do país de um delator, com todos os riscos que tal ação provocaria. Em cada passo, mais gente envolvida e mais riscos de vazamento. Seria preciso a retirada de uma tornozeleira eletrônica do Cerveró (ou seja: alguém teria que fazer isso, uma pessoa ou mais); seria preciso a fuga via avião (ou seja: um piloto, uma aeronave, recursos, rota de voo, mais gente participando). Digamos que tudo desse certo: só aí já teríamos um escândalo enorme (a fuga de Cerveró!). Inevitavelmente haveria uma intensa ação policial em busca dos responsáveis e não menos intensa repercussão política. Digamos que não desse certo e o Cerveró fosse preso: aí estaria criada mais uma oportunidade para o escândalo bater à porta do senador.

A montagem da operação esbarrou no filho do delator, Bernardo. Foi ele quem gravou a conversa, em um celular. Matéria de O Globo online, ontem, informou que Bernardo escolhera quatro equipamentos para realizar a gravação, mas conseguiu fazer o registro apenas em um, o celular, em áudio. Durante a reunião – sempre segundo a notícia de O Globo, que não cita a fonte – o chefe de gabinete do senador teria pedido a Bernardo que desligasse um celular que ele vira dentro de uma mochila, e em seguida ligou a TV em alto volume.

Ontem os três foram presos: o senador, o seu chefe de gabinete e o advogado. Também foi preso o banqueiro André Esteves (sócio do banco BTG Pontual), um dos homens mais ricos do Brasil. Ele seria a pessoa que forneceria o dinheiro, mas não estava no quarto do hotel. Seu advogado disse que, além de não ter participado da reunião, Esteves não tinha envolvimento com a proposta de fuga do delator.

Já o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse que o governo nada tinha a ver com os atos de Delcídio neste episódio. “É importante registrar que não há em nada do que foi dito até agora qualquer tipo de envolvimento ou participação do governo”, afirmou Humberto. “Não há nenhum fato patrocinado pelo governo. Tudo o que foi dito até agora são questões que correm totalmente ao largo do governo”.

Ontem de manhã o STF decidiu por unanimidade manter a prisão do senador Delcídio Amaral. À noite, o plenário do Senado decidiu manter a decisão do STF, por 59 votos a favor e 13 contra. Em nota, o PT negou solidariedade a Delcídio. “Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária, seja como parlamentar ou como simples filiado”, diz a nota. “Por isso mesmo, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”. Não me surpreenderei se nos próximos dias começar um coro pedindo sua expulsão do partido. A impressão que se tem agora, no calor do momento, é que Delcídio Amaral jogou um jogo do “tudo ou nada” e, ao que tudo indica, perdeu. Resta ver se a derrota ficará concentrada exclusivamente nele ou se irá espalhar-se.