02.02

Uma viagem de férias a Minas Gerais fez com que Vitória Barros tivesse a chance de descobrir as delícias do queijo de lá, início do Campo da Serra.

André Clemente (texto)
Hesíodo Góes (foto)

Há 18 anos, Vitória Barros viajava de Pernambuco para Minas Gerais para fazer um “favor” ao pai. Levava um queijo bom e um ruim para que os professores de produção de queijos mineiros tentassem explicar o que fazia o bom andar e o ruim desandar. A viagem era durante férias do trabalho, no qual seguia uma das suas formações: administração. A engenharia química estava adormecida até então. Da ida a Minas, queria trazer o mínimo de processo de produção do queijo coalho para o pai tentar padronizar e replicar. Na época, o leite que dava das vacas da fazenda era a matéria-prima para produção informal. “Às vezes dava certo, às vezes não”. Não voltou com a receita de coalho, mas trouxe outra coisa: a forma de fazer queijo minas frescal e o produziu na então “fabriqueta” da fazenda, uma salinha, em Pombos, na Mata Sul. Pronta a primeira remessa, levou para o melhor hotel da região e pediu para experimentarem. “Encantaram-se”. Seria o primeiro cliente do início da virada da vida de Vitória e do Campo da Serra, negócio que hoje produz 12 mil quilos de queijo artesanal todos os meses, de 43 tipos, especiais e exclusivos, a partir de 3 mil litros de leite rodando por dia. Vende tudo. Fornece direto ou comercializa nas butiques de queijo que têm hoje sob seu controle, empregando 50 pessoas. São três lojas no total (BR-232 – Gravatá, Boa Viagem e RioMar Shopping). E mais: a partir de 2016, prevê sair das fronteiras do estado e iniciar o plano de ação de quadruplicar o volume que fabrica. Segundo ela, “é coisa de Deus”.
Vitória é uma mulher serena e fala fácil de processos e dinâmica de maturação do queijo. Levou para o produto a relação íntima que tem desde a infância com o leite. “Imagine algo que é micro-organismo vivo, estudado, pesquisado, testado e colocado dentro de uma matéria-prima para produzir novos produtos. É fantástico, encantador”.
Antes de entrar no circuito, era aquilo mesmo. Tinha dia que saía queijo bom, tinha dia que saía ruim. Só coalho. “E eu ouvi da minha mãe a bela pergunta: como uma filha engenheira química especializada em alimentos deixa um pai passar essa vergonha?”. Foi ter aulas de fabricação de queijos e, quando voltou, comprou um tanquinho de 50 litros, alguns utensílios, algumas medidas para ter um padrão e foi fazer queijo minas. “Nesse tempo, queriam me transferir para São Paulo na empresa. Eu não queria. Pedi demissão”, fala, como quem precisava de uma desculpa para uma chacoalhada. “Coisa de Deus”, repete.
“Fiquei encantada porque eu passei a enxergar os organismos vivos do leite. É através deles que é feito o queijo. Pensei: que coisa maravilhosa esse alimento”, complementa. Dali, já não interessava mais a missão inicial do coalho, abria-se o olhar para o mundo inteiro dos queijos.
Produz em Pombos, mas quer mais. Já recebeu propostas de aumentar a escala. Negou. “Prefiro me manter no formato artesanal. O leite é um instrumento e o queijo um organismo vivo. Não vou sair jamais dessa linha natural”, garante. O plano de crescimento que Vitória apresenta é conservador, mas nem tanto. A empresa possui selo estadual da atividade, o que permite ficar apenas no fornecimento local. “Estamos renovando os registros para ganhar o mercado do Nordeste e do Brasil inteiro já a partir deste ano”, planeja. Apesar de assumir a responsabilidade de tudo, não se define como presidente ou proprietária da Campo da Serra. Se diz “responsável técnica”. “Proprietário é todo mundo que faz. Eu não consigo fazer sozinha”. Soaria “texto pronto do setor corporativo”, se não fosse dela. Não fez sozinha, mas fez. Conseguiu implantar e crescer sem fazer financiamentos e sem nenhum técnico formado. Treina todos ela mesma. No dia a dia de trabalho.
Chegar ao consumidor final também é outra bênção divina, como define. Adentrou a venda direta “forçadamente”. “Ficavam me cobrando e montei o primeiro ponto de venda em Gravatá, na BR-232, em 2009. Próximo à Semana Santa, com a ideia de ser uma coisa temporária para estimular encomendas, divulgar um delivery, talvez. Mas a resposta foi muito boa”, conta. Foi assim também para colocar a segunda loja em 2010, na galeria de luxo do Brennand Plaza, na caríssima Avenida Boa Viagem, no Recife, onde me recebeu para essa conversa. E foi assim também na terceira unidade, quando a serra chegou ao shopping de luxo, o RioMar. “Nessa daqui (Boa Viagem), eu dizia que não tinha dinheiro e ouvia ‘pague quanto puder’. Só pode ser Deus colocando gente assim na minha vida”, disse enquanto degustávamos o menu de queijos. “Tudo isso que você sente é do leite. Não é invenção minha. Os estudiosos descobriram os micro-organismos, separaram e viram quais eram os usos e as melhores formas de apreciar. A gente coloca no leite e faz você ter esses prazeres. Deus e eles fizeram tudo. Eu só fiz um bom queijo”.