03.02

Compositor de frevos inesquecíveis, artista dividirá homenagem com outros grandes da folia olindense como a troça Eu Acho É Pouco e o bloco Flor da Lira.

Luce Pereira (texto)
Hesíodo Góes (foto)

A programação do carnaval de Olinda foi anunciada ontem e novamente a prefeitura reuniu apenas as pratas da casa para animar os já animados e fiéis foliões da festa no município, que neste ano vão render, especialmente, homenagem a Alceu Valença. Nada mais justo, porque, afinal, o artista é tão íntimo da cidade quanto as ladeiras dela e tão filho quanto o mais olindense de todos. Só por isso a brincadeira já mereceria ser memorável, com muitas estrelas da MPB dando “canja” da sacada do palácio municipal e do sobrado onde o cantor reside, nesta época. No entanto, com agendas tão espremidas quanto o orçamento da anfitriã, não estarão presentes. Mas quem sentiria falta mesmo, se a folia por lá pede apenas irreverência, bom humor, pernas e fôlego?
É um carnaval que não pode ser medido somente com um punhado de adjetivos, porque nem mesmo imagens conseguem traduzi-lo. Para saber a real dimensão tem que brincar e brincar sem reservas, sobretudo atrás dos blocos e troças mais queridos. A lista do que vale a pena impressiona: Eu Acho É Pouco, Ceroula, Homem da Meia-Noite, Pitombeira, Elefante … Por isso, até mesmo aqui há uma espécie de exigência implícita de certa “logística”, facilitada, nestes tempos modernos, pelas redes sociais. Ninguém perde a viagem. Ninguém se frustra com uma possível mudança de itinerário. Ninguém volta para casa impunemente – com garganta e pernas inteiras. Mas, mesmo quem não aderiu ao imediatismo dos smartphones e não quer correr riscos, pode evitar surpresas folheando o velho e bom jornal ou se valendo do indefectível bloquinho de anotações.
Apenas na Marim (dos Caetés), as velhas formas de não perder nada da folia sobrevivem. Na sala da casa que abriga numeroso (e geralmente ruidoso) grupo, lá estão elas, as anotações sobre o “filé” dos desfiles, pois depois ninguém pode dizer que não foi avisado. Afinal, para quem chega ao sítio histórico de saco às costas e colchão debaixo do braço, equívocos assim são vistos como “vacilos de amadores”, de gente que ainda não debutou no furdunço dos cinco dias mais insones do ano – estes, em 2016, sob a lona do Circo de Alceu. É o tema da festa. Por isso, os célebres frevos do artista deverão ser ouvidos sem parar, o que nunca representaria, de fato, sacrifício para qualquer folião que se desafia a sobreviver até o fim do Bacalhau do Batata. Todos cantam como se estivessem acompanhando a letra do hino de Elefante, “com todo o ardor”.
De acordo com o que foi dito, ontem, o carnaval de Olinda terá 500 “atrações” e nove polos. Mas o que a otimista propaganda oficial classifica de “atrações” não deve ser levado ao pé da letra, pois isto implicaria na oferta de uma grade diferenciada, quando se sabe do sacrifício feito pela maioria (grupos e artistas), durante o ano, para conseguir meios de sobreviver até o glorioso dia do sobe e desce ladeira. Só quem se apresenta tem ideia do que significa colocar o bloco na rua, mesmo sendo claro que a glória do carnaval de Olinda é feita justamente desse sacrifício e dessa devoção.
Porém, independentemente do exagero da classificação, o certo é que “na mistura colorida da massa” estará escrita, mais uma vez, a grandeza do carnaval da Marim, que Alceu Valença ajudou a construir – com música e amor escancarado. Como se fosse ele mesmo um daqueles foliões sempre agradecidos e dispostos a repetir sem cansaço algum: “Olinda/Tens a paz dos mosteiros da Índia/ Tu és linda/ Pra mim és ainda/ Minha mulher”.