04.02

O carnaval bate à porta e traz consigo uma manifestação cultural única, repleta, ao mesmo tempo, de simplicidade e poesia.

Marcionila Teixeira (texto)
Arquivo/DP (foto)

Está aberta a temporada das las ursas. E elas são únicas. Só existem no carnaval pernambucano. Esta semana, vi duas delas. São comuns na periferia e às vezes desfilam na orla, sobre a areia, ora fofa, ora escaldante. Juntos, meninos e meninas improvisam uma batucada para acompanhar o urso, acorrentado ao também personagem do caçador. Se a pobreza deixa faltar o instrumento musical, batucam até em baldes de plástico, como testemunhei ontem em Paulista, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Tocam para acompanhar o refrão: A la ursa quer dinheiro, quem não dá é pirangueiro. Vão em busca de trocados para “engordar” o carnaval, em geral, carente de tudo. Ao final, dividem o apurado. Vão ser felizes.
Amo a imagem das la ursas com as crianças fantasiadas da forma como podem para representar aquela cena que ultrapassa os anos. O último urso que vi era uma criança com cerca de dez anos. Magrinha, usava na cabeça uma caixa de papelão amarela com furos no lugar dos olhos e da boca. Um simples tão criativo quanto poético.
Nem sempre essas foram minhas impressões. Certa vez, na infância, fiquei aterrorizada com a “invasão” de uma delas no quintal de minha casa, na periferia do Recife. Todos que estavam comigo correram. Fiquei sozinha. Eu, a la ursa, o caçador e uma verdadeira multidão de seguidores cantando o refrão, naquela época interpretado como “ameaçador”, “apavorante”. Demorei para esquecer aquele dia.
A Fundaj conta que a brincadeira tem origem nos ciganos da Europa. “Eles percorriam a cidade com seus animais, presos em uma corrente e dançavam de porta em portaa em troca de algumas moedas, ao som da ordem: “dança la ursa!”. A figura central da brincadeira é o urso, geralmente uma pessoa vestindo um velho macacão coberto de estopa, veludo ou pelúcia com uma máscara de papel-machê pintada de cores variadas, preso por uma corda na cintura, segurado pelo domador.
La ursa não é só brincadeira de criança. Também é diversão de adultos. No Cabo de Santo Agostinho, na RMR, vários grupos de homens são vistos desfilando nos bairros de São Francisco, Cohab e Vila Social, por exemplo. O apurado normalmente é usado para o consumo de bebidas alcoólicas e tira-gostos durante os quatro dias de folia.
No Recife, o urso, como também é chamado, faz parte das atrações oficiais do carnaval. Na terça-feira, sete deles estarão no Concurso de Agremiações na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Santo Antônio, a partir das 15h. Nomes como Teimoso da Torre, Branco do Cangaçá, Do Ovão, Branco do Zé, Branco da Mustardinha (1962), Da Tua Mãe e Cangaçá de Água Fria darão uma mostra de parte da cultura do estado. No mesmo dia, na Avenida do Forte, no Cordeiro, doze ursos disputam as categorias de grupo de acesso e do grupo dois, a partir das 14h45.
Para quem mora na Zona Sul, uma oportunidade de conhecer a manifestação cultural é ir ao Parque Dona Lindu, em Boa Viagem, no domingo, quando acontece o encontro de bois e ursos, a partir das 15h. Lá estarão o Urso Pé de Lã, o Urso Texaco (1958), o Urso Panda e o Cangaçá de Água Fria. No mesmo local e horário, na segunda feira, passam por lá o Urso do Vizinho, o Urso Mimoso de Afogados, o Urso da Tua Mãe e o Urso Zé da Pinga. Porque o carnaval sem a beleza e a simplicidade contagiantes da la ursa desfilando pelas ruas não pode ser de Pernambuco.