foco702p0011Fica difícil escolher entre tantas e belas opções e o folião acaba querendo beber a festa de um gole só. Mas, seja como for, eles acham é pouco.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Quando Momo vai passar sua tropa em revista, antes de receber as chaves do estado, você é sempre dos primeiros foliões a dizer “presente”. Já se imaginou longe, nesta época, cantando a primeira parte do famoso frevo de Clovis Mamede? “Sonhei que estava em Pernambuco/ Fiquei maluco/ Quando o frevo passou/ Mas quando estava no melhor da festa/ Ora esta/ Alguém me despertou”. Ou as primeiras frases do Frevo nº 2 do Recife, de Antonio Maria? “Ai, ai, saudade/ Saudade tão grande/ Saudade que eu sinto do Clube das Pás, do Vassouras/ Passistas traçando tesouras/ Nas ruas repletas de lá…” Sinceras desculpas, eu não queria parecer cruel, apenas propor um exercício de saudade, embora hoje não seja dia para isto. Como me disse Laura Nigro – uma das grandes damas do carnaval de Olinda – pouco antes de ir embora, “eu não sairia daqui nem para o paraíso, durante a folia”.
Compreende-se. Eis que depois do monumental desfile do Galo, quando a alma de folião canta tão alto quanto o bicho, a gorda agenda é capaz de causar tremenda confusão em quem quer beber a festa de um gole só. A manhã fica para o sobe e desce nas ladeiras de Olinda, com uma infinidade de blocos e troças brotando das esquinas, ou deve ser gasta nas ruas de Bezerros, onde as brincadeiras e o colorido dos papangus fazem qualquer um esquecer da tal quarta ingrata? Tudo parece bom demais. Mesmo nos subúrbios, as tradições seguem vivas: no salto engraçado da burrinha, na pontaria nunca certeira do bumba-meu-boi, na perseguição à la ursa – bicho interessado em dinheiro. Ou no ritmo do baque solto, do baque virado, pois, como diz a música, “belo é o Recife pegando fogo na pegada do maracatu” (Festa/ Luiz Gonzaga)
Entre tantas e belas opções, fica difícil escolher. Na verdade, fica difícil encontrar pernas e fôlego para tanto, embora limite não seja bem palavra levada a sério pelos inquietos foliões. Muitos vivem repetindo que acham é pouco e são esses que, além de passar o dia fogueteando por Olinda, ainda reúnem forças para aterrissar no Bairro do Recife. Lá, dançam e se esbaldam em shows, gastam as cordas vocais fazendo coro à passagem dos blocos líricos, empolgam-se com cortejos de maracatu e até caem no samba e no rock – por que não? Lá para as tantas, mortos, consolam-se dizendo que “amanhã tem mais”.
E quanto tem. Tem tudo de novo e mais a belíssima Noite dos Tambores Silenciosos, no Pátio do Terço. Hora de reverenciar os ancestrais negros que souberam transformar a dor em dança dançada com o suor das paixões. Nem o baiano Caymmi resistiu: “Dora/ Rainha do frevo e do maracatu/ Rainha cafuza de um maracatu/ Te conheci no Recife/ Dos rios cortados de pontes/ Dos bairros das fontes/ Coloniais …” Então as nações de baque-virado, com suas “Doras”, passam a louvar a Virgem do Rosário, padroeira da gente que ajudou a fazer da cultura do Brasil uma das mais ricas e festejadas. Brotam um orgulho e um respeito tão grandes que até Momo é capaz de fazer coro ao poema Lamento Negro, do jornalista Paulo Viana, que era ativista, foi do Diário da Noite e criador da cerimônia.
Pernambucano que é pernambucano só pensa na quarta ingrata quando ela chega – e assim mesmo depois de saudar o estandarte do Bacalhau do Batata. Mas não falemos disto, porque ela ainda demora. Há tudo por viver e um álbum de grandes momentos a ser preenchido. Evoé, carnaval de Pernambuco, que, independentemente de ser ou não o melhor, é sem dúvida o mais intenso, rico e divertido do planeta.